sábado, 17 de novembro de 2007

Cantoras


Li recentemente uma boa biografia da Dalida, uma cantora que muita gente pode nem conhecer. Apesar do enorme sucesso que fez quando eu era adolescente, tinha me esquecido dela, até que em 1996, entrei em uma lojinha no interior do estado de Nova York onde tocava um CD que me remeteu como um foguete, como se diria na época, para os quinze anos de idade. Gostava mais de Chaque instant de chaque jour, e de J’attendrai, mas que alegria ouvir Come Prima!
Bem depois disso, descobri surpresa em Paris que ela ainda faz muito sucesso, apesar de já ter morrido há vinte anos. Datada, mas não menos divertida por isso, conquistou seu lugar no seu tempo e cadeira cativa em muitos corações.
Criados em um país sem memória, nossa tendência é achar que o mundo inteiro é assim. Não é. Sei que parte do interesse se deve ao lucro que a memória ainda pode produzir, mas quanto mais civilizado o país, infinitamente maior o apreço pela cultura.
Mesmo não sendo gay, virou sua rainha, talvez por ter abraçado a luta pela liberdade e contra o preconceito em geral, de sexo, de idade no amor (como a Piaf, teve maridos muito mais jovens que ela), de nacionalidade - Dalida conseguiu ser idolatrada na França sem pronunciar o “r” como os franceses, e isso não é pouca coisa em se tratando de franceses...
De família italiana radicada no Egito, nascida no Cairo, foi Miss Egito antes de se estabelecer em Paris e fazer sucesso durante décadas no mundo inteiro.
Fui ver Piaf outro dia com medo de ficar triste. Cresci ouvindo suas músicas, era a cantora preferida da minha mãe, que morreu há um ano. Minha irmã morreu há um mês, e além de cantar e compor com muito talento, tocava todas as músicas que queria, no violão, de ouvido. Mas o filme é tão bom que não fiquei triste, saí com vontade de ver de novo. E saí pensando que ser alegre ou ser triste pode ser uma marca, um dom ou uma decisão pessoal, não sei. Sei que cantar é abençoado, e era o talento que eu gostaria de ter se pudesse escolher.
Dalida não é a Piaf, mas passava muita alegria, embora não saiba dizer qual das duas teve a vida mais dramática. Acho que a exuberância pessoal e o sucesso comercial de sua carreira resultaram numa imagem mais festiva, e superficial, apesar de todos os suicídios de sua vida, os de dois maridos e os próprios (no plural porque inclui uma tentativa frustrada anos antes de conseguir morrer). Ninguém com tanta angústia poderia ser voltada apenas para o sucesso comercial. A angústia era anterior, não foi fruto do descompasso que o sucesso costuma provocar pela dificuldade de administrar muita notoriedade ou muito dinheiro. O ser humano teve que se adaptar, em um tempo historicamente muito curto, a uma velocidade maior do que a das próprias pernas, um reconhecimento maior do que o das pessoas com quem poderia cruzar ao longo de toda a vida, um dinheiro maior do que o necessário para levar uma vida muito boa. Os mais preparados podem ter sucesso, mas dificilmente viram livro ou filme. O grande público prefere os freaks.
Lembrei de um matemático americano, daqueles que eles sabem produzir com capricho, conhecido como Unabomber, que mandava bombas pelo correio, para protestar contra a sociedade industrial. Chaplin conseguiu criticar a linha de montagem fazendo menos estrago e alcançando mais gente, embora de maneira menos contundente... As escalas no mundo não têm volta, mas têm correções possíveis, podem ser menos selvagens, em nome de um pouco mais de equilíbrio entre as gentes, e dentro das gentes.

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