segunda-feira, 28 de abril de 2008
Pernas para o ar
Enquanto estiver
do outro lado
do mundo,
sem saber
ao certo
para onde
o vento
me levará,
vou deixar
esse blog
ao Deus
dará
Sayonara
quarta-feira, 23 de abril de 2008
A mídia e o samba
Mesmo tapando olhos e ouvidos, dá para ficar nauseado com a cobertura do infortúnio da menina atirada da janela. Aproveito para corrigir abaixo um dos meus sambas preferidos:
Noticia de Jornal
Luis Reis / Haroldo Barbosa
Tentou contra a existência
Num humilde barracão.
Joana de tal, por causa de um tal João.
Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.
Aí a notícia carece de exatidão,
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou.
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de joão
Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal.
A dor da gente sai no jornal. Mas só sai se a tragédia vier com a possibilidade de provocar histeria. Não basta ser dor de verdade, tem que ter componentes que permitam rolar na carniça, segurando o close e os holofotes. Quando é assim, sai, e a mídia só larga o osso quando não tiver mais o que roer.
terça-feira, 22 de abril de 2008
Voz do povo
É melhor prevenir do que remediar.
Quem avisa amigo é: boi sonso, marrada certa.
Antes só do que mal acompanhado. Quem faz um cesto, faz um cento...e se não se torceu de pequenino o pepino, o uso do cachimbo faz a boca torta, maior a chance de se dar com os burros n’água, a vaca ir para o brejo, a gente ficar a ver navios e aí não adianta chorar sobre leite derramado.
Boa romaria faz quem em casa fica em paz.
Macaco velho não mete a mão em cumbuca, seguro morreu de velho.
Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento.
As aparências enganam, nem tudo que reluz é ouro. Quem tudo quer, tudo perde. Quem semeia vento, colhe tempestade.
Melhor um pássaro na mão do que dois voando.
Há sabedoria na voz do povo, essas expressões e crenças não se cristalizam sem alguma razão, mas a massa tende a ser cautelosa e conservadora - seja para conservar privilégios, seja por medo de perder o pouco que tem.
Vanguarda, inovação, revolução, o impulso de arriscar, vem de quem não é um dois-de-paus, um zero à esquerda, quem vê que o rei está nu, quem tem a pulga atrás da orelha e sabe que as aparências enganam.... basta não ser acomodado, acomodação é um estado de espírito em que só costuma se manter quem é meio pobre de espírito.
Não vale mais um gosto do que quatro vinténs? Desgraça pouca é bobagem. Não há palavra mal dita se não for mal entendida.
Não há regra sem exceção. Uma andorinha não faz verão.
Quem espera sempre alcança, enquanto há vida, há esperança,
que é a última que morre.
Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.
Carpe diem.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
Perímetro urbano
Não corria tanto sangue árabe e nômade, na península ibérica de onde tantos de nós viemos? Tanta valentia nos mares do norte e do sul? Não interessa. Tribos urbanas precisam se assentar.
Extensas planícies africanas despovoadas, o deserto para conquistar, o estímulo do medo do que o deserto esconde na distância e que um dia pode chegar e nos aniquilar, a solidão dos vales, montanhas para cruzar, o sonho do oásis?
Não temos mais.
Em nome da prudência, precisamos ficar quietos num lugar, tratar de sobreviver convivendo com as outras tribos, brigando por dignidade, querendo respeito, querendo tomar o lugar das outras, arrogantes e burras, caídas do céu, subidas ao céu, vencedoras sem pudor, passando rasteira, abrigando, sendo abrigadas, desniveladas, glorificadas, preteridas, enquadradas, reconhecidas, acolhidas, pisando nas outras, dando bote, ganhando terreno, inocentes, perdendo terreno, brigando por pão, querendo brilhar, cavando seu lugar ao sol, agressivas, competitivas, vivendo e deixando viver, recolhidas, defendidas, querendo sempre mais, querendo muito, cegas, surdas, mudas, loucas, manipuladoras, alopradas, com caráter, sem caráter, cansadas, mal-intencionadas, querendo ser aceitas, querendo ser amadas, ligeiramente contentes, tentando o reino dos céus. Inferno de Dante?
Não. Só a massa vivendo o seu dia-a-dia, com os níveis mínimos de neurose preservados.
terça-feira, 8 de abril de 2008
A justiça
"Podem-se classificar as virtudes em duas categorias. Aquelas pelas quais se visa ao próprio bem e aquelas que visam ao bem dos outros.
Nas primeiras estão a temperança, a força, a prudência, a honra, a esperança etc.;
entre as segundas encontramos a generosidade, a caridade, o devotamento, a liberdade etc.
Mas a justiça é uma virtude estranha. Parece-me que ela não entra em nenhuma das duas categorias. O homem justo não visa a seu próprio bem nem ao bem dos outros uma vez que se considera a si mesmo um outro e trata cada outro como a si mesmo. Aquele que é justo nos seus julgamentos, julga de maneira imparcial, sem favorecer nenhuma parte nem a si mesmo...
A justiça é uma virtude “cega” a quem ela se dirige. Daí o paradoxo: a justiça é um sentimento inteiramente voltado para o outro, atento aos outros, mas totalmente cego aos outros, à sua singularidade, à sua pessoa."
Francis Wolff, professor de Filosofia na Universidade Paris X e na Escola Normaol Superior. Vida Vício Virtude / Casa do Saber
terça-feira, 1 de abril de 2008
Alma mater
Quem teve aula de catecismo, ou mãe, sempre soube: alma é o nosso grande trunfo sobre os animais. E teremos direito ao reino dos céus se cuidarmos bem dela.
Se recebi da minha mãe uma educação bem rigorosa, caprichando na religiosa, com meu pai os filhos faziam o que queriam, com um leve incentivo à subversão da ordem. O resultado era bem confuso, os dois viveram uma vida batendo civilizadamente de frente, mas alguma coisa se salvou dali, porque minha mãe, dona de uma fé de fazer inveja a qualquer bispo, era dúbia, enganava. Era séria sem caretice. Honesta às raias da ingenuidade, por força dos tempos, considerava sagrado de verdade tudo o que gostava na vida, e isso era muita coisa mesmo. Como foi rica e depois pobre, ter ou não ter parecia natural e igual para ela, tinha a sabedoria de valorizar realmente o que não tem preço: alegria. Era comunista e não sabia: dividia o que tinha com todo mundo, mesmo que como mãe fosse acusada de ter uma filha preferida... mas tinha uma generosidade que levaria todos à falência se não fosse contida. Se as pessoas precisavam, precisavam (e isso incluía empregados, amigos, vizinhos). Se ela tivesse, dava.
Foi criada numa enorme propriedade que se desfez quando os avós morreram, onde havia uma capela e uma escola, construída e mantida pela família, para a família e mais toda a criançada da vizinhança, e que depois virou um bairro de Petrópolis. A fazenda do avô virou Itaipava, um município inteiro. Quase nada sobrou.
Saindo dali para um um colégio interno de freiras francesas, tinha uma formalidade natural, que foi se desfazendo com o tempo, e nunca nenhuma afetação. O que ela nunca perdeu, até o fim, aos oitenta e quatro anos, foi o gosto pela música, pelo cinema, pelas plantas e pela família que ela teimava em manter unida. Gostava muito de comer mas não sabia cozinhar. As refeições em casa, mesmo já muito simples, eram quase solenes para nós: pelo menos às refeições, não podíamos brigar. Acho que por isso me acostumei a comer em silêncio. Meu pai era muito inteligente, mesmo com equilíbrio zero, e era quem sustentava a casa, mas hoje eu não tenho a menor dúvida sobre quem era a figura mais forte ali.
A vida não foi fácil para eles, embora tivessem todas as chances. Talvez não consiga convencer uma pessoa sequer, mas cresci achando que dinheiro não fazia a menor diferença ter ou não ter, fui criada rigorosamente nesse espírito. Hoje vejo que a falta de dinheiro pode ser penosa, mas ter muito pode ser ainda mais danoso. A alma dos meus pais era livre do pecado da avareza, que muitas vezes percebi em volta.
Educação e formalidade foram sendo demolidas nos últimos tempos, e se servem para inibir e intimidar, já foram tarde.
Mas como tudo na vida, tem dois lados. Educação não é sempre repressão, pode ser justo o contrário, se nos ajudar a conviver melhor com as diferenças.
Para achar nosso lugar ao sol, precisamos conseguir equilibrar o que somos e o que queremos ser. E precisamos do sol que tomamos na nossa infância.
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