domingo, 17 de agosto de 2008

As melhores fotos...

...carregamos na retina, sem precisar de camera, baterias e flashes. Fotografar é também um recurso para contar histórias nesse blog-sherazade, mas mesmo sem o registro visual não se sai de mãos vazias. Em viagens de trabalho, nem sempre é possível parar para fotografar, e em muitos casos nem tudo é permitido registrar. Rever fotos pode trazer muitas lembranças, mas isso não é necessário quando elas ficam gravadas nos olhos e no coração.
Um barco descendo mansamente o Nilo, o rio silencioso com tamareiras nas margens e no salão um andrógino dançarino rodopiando e mostrando roupas com todas as cores do arco-íris que iam sendo trocadas sem que se percebesse ou explicasse, como são os truques de mágica, uma calça que vira um tubo, que vira uma saia, que muda de cor, o ritmo certo nos abstrai para que toda a atenção se concentre naquele ser-pião com perfeito controle dos seus movimentos, e tanto equilíbrio que depois de trinta minutos ininterruptos de rodopios ele para estático como se estivesse acordando naquele momento. A dança-transe foi uma suspresa entre todos os deslumbres da misteriosa e inexplicável civilização egípcia. Surpresa porque era turco o dançarino dervixe, e vinha de Konya, na Turquia. São muçulmanos sufistas que erram pelo mundo expressando sua fé e seu espírito de tolerância com essa dança tão espetacular. Enquanto dançam, os fiéis mantêm a palma de uma mão virada para o céu para receber a graça divina durante o rodopio. A outra palma fica virada para baixo para manter o dançarino em contato com a Terra. Suas roupas são cheias de significado. Por dez anos guardei uma história que li sobre eles, e quando uma equipe de colegas meus foi à Turquia, sugeri que incluíssem a dança no programa, e foi muito bom vê-la de novo.



Um baobá pode viver mais de dois mil anos, e é considerada a árvore mais antiga da Terra. Se é assim tão antiga, esconde a idade, porque sua madeira não produz anéis de crescimento, o que seria seu certificado de antiguidade. Seu enorme tronco bojudo armazena água e permite que ela enfrente longas temporadas secas. Diz a lenda que quando essas árvores foram plantadas por Deus, elas não ficaram quietas, continuaram andando - talvez para justificar sua incidência por boa parte da África, incluindo a ilha de Madagascar. Para que sossegassem, Deus as virou de cabeça para baixo.
Outra história é mais detalhada e curiosa: Deus criou o baobá e um tempo depois, criou a figueira. Quando viu seus frutos, o baobá gritou muito alto reclamando com Deus. Daí Deus criou o flamboyant, que tinha flores, e ele gritou mais alto ainda, enciumado. Para acabar com a gritaria, Deus virou a árvore de cabeça para baixo. Com isso, os nativos explicam sua aparência tão única - quando está seca, seus galhos mais parecem raízes voltadas para o céu. Dizem que Saint-Exupéry, um fã dos baobás, para incluí-lo no seu livro mais famoso se inspirou num que viu no Recife, onde existem alguns exemplares dessa árvore sagrada trazidos por sacerdotes africanos.
Vi muitos baobás às margens das estradas quenianas, quando viajamos mais para perto da costa. Não deu para parar e fotografar, mas posso dizer que mais do que andar, as árvores pareciam correr...

3 comentários:

Anônimo disse...

a febre das maquinas fotograficas digitais "japonesou" o mundo. a impressao que da' é que as pessoas nao aproveitam o que estao vendo e vivendo, registram para continuar a ver depois. sao centenas e centenas de cliques que depois serao selecionados, um trabalho ate divertido. pergunto quanto se viveu aquele momento.
ler um relato como o do dançarino, sem ver a foto, so imaginando as cores, os movimentos e a intensidade é uma delicia.......obrigada!!
AV

vanda viveiros de castro disse...

Foi uma bem vinda intervenção turca na viagem egípcia, que eu puxei da memória graças à Selma. Se eu consegui passar a metade do meu sentimento vendo aquele dançarino tão surpreendente quando inesperado, vale escrever. Aliás, cada vez mais descubro que escrever, além de ato compulsivo, é viciante, especialmente tendo leitoras tão sintonizadas e amigáveis... beijos

Selma Boiron disse...

Mais uma vez, obrigada e concordo plenamente com AV: seus relatos prescindem de fotos, minha cara blogueira. Havia visto no programa, revi em lembrança com seu texto.Rodopiei junto! Boa semana, abs!