domingo, 24 de junho de 2007
quinta-feira, 21 de junho de 2007
Para calar a boca dos detratores e invejosos do Pan na Cidade Maravilhosa
Saibam que os preparativos para os Jogos Panamericanos 2007 estão adiantados. Tudo sob controle. Pensando nos gringos que vem por aqui, a prefeitura do Rio de Janeiro já mandou escrever as placas de sinalização dos bairros da cidade em duas línguas:
German Mountain - Morro do Alemão
Big Field - Campo Grande
Little Field - Campinho
Nice to meet you - Encantado
Will go now - Irajá
To walk there - Andaraí
Dry Square - Praça Seca
Set fire - Botafogo
Costumers - Freguesia
Set black people free - Abolição
Very very holy - Santíssimo
Wait a minute - Paciência
Setting free - Livramento
Good Success - Bonsucesso
Very deep island - Ilha do Fundão
Grandson Rabbit - Coelho Neto
High School - Colégio
Happy view - Vista Alegre
Hard Cover - Cascadura
Priest Michael - Padre Miguel
Mercy - Piedade
It's very cheap! - Pechincha
Nice stay - Benfica
Bless you - Saúde
Flag Square - Praça da Bandeira
Flagmen Funtime - Recreio dos Bandeirantes
Small Farm - Rocinha
All Saints - Todos os Santos
Mary of Grace - Maria da Graça
Holy Cross - Santa Cruz
Hello, smile - Olaria
Mango Tree - Mangueira
Inside Mill - Engenho de Dentro
New Mill - Engenho Novo
Alligator to the water - Jacarepaguá
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A tradução não é minha, mas assino embaixo. Circula pela internet sem assinatura, mas desconfio que o dna é carioca.
terça-feira, 19 de junho de 2007
Picadeiro, praga ou chaga
Caetano Veloso disse que a gente não sabe nunca mesmo o que é que quer uma mulher. Embora admire o talento, costumo discordar dele, mas aqui ele pode ter até alguma razão. Se os homens têm mais músculos no corpo e as mulheres têm mais água, pode ser que a lua exerça uma influência maior sobre esse nosso sexo. Teríamos marés. Variamos com as fases da lua, os hormônios, as aparências (somos muito infelizes em dias de cabelo feio). Alguma explicação há de haver, tenho certeza que a ciência um dia descobrirá e nos redimirá de tudo.
Mas muito mais difícil do que saber o que quer uma mulher, é saber o que realmente quer um homem que quer muitas mulheres, por exemplo.
Pode haver muita diversão e arte na vida desses seres, mas como devem também ter uma vida mais trabalhosa do que seus pares menos diversificados no amor, eu descartaria como motivação para o seu comportamento apenas a busca incessante do prazer. Não pode ser só isso: mulheres podem ser maravilhosas, mas também bastante complicadas, às vezes dão trabalho. Acho que não compensaria. É preciso sempre fingir um pouco, representar um pouco... Bom, quem sabe essa poderia ser uma explicação: vocação para as artes cênicas (ou seriam mais para cínicas essas artes?)
Ao longo da vida, entre colegas ou amigos, pude ouvir alguns se queixarem tanto do excesso de oferta feminina quanto dos excessos femininos - aí a propaganda definitivamente é a alma do negócio - mesmo sutil e mascarada, é arma sempre utilizada, mesmo que pareça a esmo.
O que os move? Amor demais? Juízo de menos? Coração forte ou fraco?
Fico intrigada. Claro, não teriam sucesso se não fossem sedutores, o que explica pelo menos parte do interesse que despertam. Também se não fossem, as mulheres nem lhes dirigiriam a palavra.
“Perturbadores de tranqüilidade”, como podem ser vistos aos olhos da lei, existiram ao longo da história, mas para quem, como eu, não consegue decidir rápido se deve dobrar à esquerda ou à direita, gostar de ter um leque de opções sempre à mão é coisa mais do que misteriosa, dolorosa até.
O que querem eles, na verdade, com tantas mulheres? Acabar com elas? Acabar sem elas? Só dormir com elas? Preferem, aliás, só isso? Procuram alguém de Marte? Certeza mesmo, acho que só uma: gostam muito de futebol, provavelmente mais do que da pessoa que têm ao lado no momento, por isso fugir deles costuma ser o primeiro mandamento entre mulheres inteligentes e sensatas. Contudo, é difícil acreditar que eles não contem com a conivência feminina. Mulheres costumam acabar como vítimas, mas desconfio que elas fazem vista grossa e tenham participação ativa no sucesso dos intentos desses seres, como resultado da grande mudança que o comportamento feminino sofreu nas últimas décadas, para o nosso bem e para o nosso mal.
Sei que eles podem espalhar muito sofrimento e isso não tem nenhuma graça, mas olhando de uma certa distância, essa categoria pode ser vista até com humor. Acho mesmo que nem sempre merecem o julgamento negativo que recebem. Às vezes seu empenho chega a ser comovente. É certo que manipulam a carência feminina, mas não seriam eles carentes também, querendo aprender alguma coisa com as mulheres? Inseguros, precisam de aferição constante sobre sua pessoa e desempenho. Tanto que estão sempre buscando uma segunda opinião.
Perdidos, correm sempre para dar a mão para alguém.
Quem sabe estarão apenas fazendo o bem, generosos e pouco criteriosos que são, uma espécie de cruzados da era contemporânea, destemidos defensores da macheza em sua mais pura essência?
Mas muito preocupados com quem está a seu lado ou à sua frente, não parecem ser, não.
Bom, e as mulheres?
Muito antigamente, quando "se perdiam", estavam perdidas para sempre. Hoje, depois de uma experiência que nao termina bem, ficam só menos felizes, para sempre ou não. Muitas vezes seguem procurando, tontas, onde é muito improvável que achem o que procuram.
Se não se casaram, querem um dia se casar. Mesmo com incertas intenções. Querer casar, afinal, nem sempre pode ser considerado louvável. Não querer pode ser até um gesto nobre em determinadas circunstâncias.
Se o seu intuito não é sempre o sagrado dever de constituir família, continuam sendo ligeiramente malvistas. Mas aprenderam a não ligar muito para isso.
O que eu acho que as mulheres ainda não conquistaram mesmo foi o senso de humor. Será que já aprenderam a rir o suficiente, deles e de si mesmas? Porque diante de alguns papéis e em muitas situações na vida, rir continua sendo – mesmo que depois de algum choro, ou de juntar os cacos - o melhor remédio.
segunda-feira, 18 de junho de 2007
Oriente
Tudo surpreende no Egito. A começar pelo indescritível calor, um choque mesmo para quem vinha de um país tropical. Tomar chá quente sob o sol escaldante no Vale dos Reis, um contra-senso? Percebi que tinha muito que aprender sobre calor: a bebida quente faz suar, e o suor, com uma leve brisa ou mesmo o abano de um simples leque, refresca o corpo.
Cobrir o corpo protege a pele contra o sol, inclemente mesmo em setembro, passado o verão: roupas compridas também protegem as mulheres contra a ousadia dos homens nas ruas. Não é suficiente, contudo, cobrir os braços e as pernas para sair em público: andar com os cabelos descobertos pode ser visto como um ato de provocação. Cabelos femininos são muito sensuais, explicou uma delicada e graduada funcionária pública egípcia. Pude entender melhor quando saí de uma loja sem comprar o colar que eu queria, assustada com os braços do solícito vendedor em volta do meu pescoço. Minha indignação virou resignação com a explicação do nosso intérprete: aos olhos de um homem comum, no Oriente Médio, somos todas iguais à Demi Moore e temos o mesmo comportamento das personagens dela nos filmes, o que os deixa muito à vontade para aceitar a nossa explícita – para eles! - provocação. Fiquei sem saber se deveria agradecer, pelo interesse e pela clara explicação, e fiquei sem o colar.
Comprar, aliás, no Egito, não é um verbo de fácil conjugação.
Negociar é um ritual, quase uma arte. Aceitar o primeiro preço dado, além de pagar mais do que se deve, pode deixar o vendedor decepcionado, privado do orgulho de exercitar e exibir sua prática como negociante.
A sensação de descer o Rio Nilo é a de deslizar sobre a Bíblia.
É um rio calmo e silencioso, ladeado por barrancos de areia branca e lindas palmeiras. É ainda um cenário do passado, como o de um filme histórico do cinema mudo. Senhoras com mantos, jumentos e choupanas, parte dos cenários bíblicos que imaginamos nas aulas de catecismo, aparecem no nosso caminho, no Egito rural. No barco, nas camas dos camarotes, sempre uma surpresa: a toalha dobrada em forma de cisne, ou buganvílias espalhadas, como se fosse uma cama na varanda, que um vento tivesse coberto de flor.
Mesmo que já familiares através dos livros de história e de Hollywood, a imponência dos templos e monumentos nos tira a capacidade de entender a realização de construções de tamanha grandeza, ainda sem nenhuma ajuda tecnológica.
Tudo o que cerca os monumentos é moderno - podemos comer uma pizza sentados em uma lanchonete ou ligar para casa de um telefone público, tendo as pirâmides em nossa frente – sua beleza continua intacta, mas o mistério é ainda mais desconcertante: são como anacrônicos dinossauros petrificados.
Anacrônicos como pareciam para nós os costumes e a falta de liberdade. Éramos permanentemente acompanhados por um comboio de guardas armados que nos protegiam e/ou nos vigiavam? O medo de um atentado e da repercussão de um atentado contra estrangeiros é enorme, num país que praticamente vive do turismo. E o perigo parecia presente em algumas áreas que visitamos, e nas que não fomos autorizados a visitar. Testemunhamos uma eleição presidencial, com cartazes e santinhos da campanha eleitoral por todo o país - o curioso é que toda a propaganda era para um candidato único, o atual presidente a ser reeleito. Mas quem somos nós, colegas de terceiro mundo, para falar de falta de liberdade, se conseguimos apenas a liberdade de reclamar de tanta desigualdade no Ocidente, sem conseguir mudar grande coisa?
Mesmo que muitos brasileiros não estranhem as areias, as praias, o barulho, a desordem das cidades, tudo no Egito é alguns tons acima. A sonoridade inesperada, as músicas que parecem não ter começo nem fim, de tão diferentes que soam aos nossos ouvidos educados no ocidente, ajudam a nos lembrar que estamos bem longe de casa.
Até os pratos da cozinha árabe que conhecemos em nossa terra são diferentes por lá: é mais fácil comprar um quibe – especialidade síria e libanesa – no Brasil do que no Egito.
Na praia de um tranqüilo balneário às margens do Mediterrâneo, crianças brincam de construir pirâmides de areia, no lugar de castelos. As tamareiras da paisagem lembram que estamos no Oriente e sentimos, até sem pensar ou querer, como é forte o poder da cultura. Está na alma do povo e mesmo que não se possa ver a alma, ela acaba brotando na paisagem.
sábado, 16 de junho de 2007
Do que somos feitos
Num livro para crianças que explica a vida, achei a mais apaziguadora resposta para a inquietação que a idéia da morte nos traz: falava da herança que se deixa, um traço do avô que se descobre no neto, o que fica e eterniza uma pessoa que se foi.
É disso que é feito o mundo, há muito tempo. Em última análise, somos o adubo para quem vem depois, e que pode se tornar uma versão revista e atualizada do que fomos, já que não podemos escolher continuar a ser para sempre, sendo planta, bicho ou gente, porque o ciclo da vida é assim, em todos os reinos. O consolo para nossa vida passageira e a explicação para a nossa existência é a constatação da permanência.
Pensando em idade madura, que nos faz naturalmente mais seletivos, me veio a idéia de mosaico, cada coisa que a gente vê ou gosta, vai juntando e se completando e se em algum momento a gente se sente lapidada pela sorte, à vontade mesmo, então é feliz. O que não quer dizer que esteja alheia ao que está em volta nem fechada às novas aquisições, aspirações ou conquistas, só significa que a gente está cada vez mais inteira. Não que não tenha nada que sobre ou destoe, que não possa aprimorar em um outro momento, mas mesmo isso não rejeitar, por saber que tudo tem ou teve uma explicação e uma razão no momento em que aconteceu. Pode ter servido para encontrar um ângulo melhor, um pedaço mais liso e colorido para o nosso conjunto.
E para cuidar de ter, em vez de perfeição, harmonia.
É disso que é feito o mundo, há muito tempo. Em última análise, somos o adubo para quem vem depois, e que pode se tornar uma versão revista e atualizada do que fomos, já que não podemos escolher continuar a ser para sempre, sendo planta, bicho ou gente, porque o ciclo da vida é assim, em todos os reinos. O consolo para nossa vida passageira e a explicação para a nossa existência é a constatação da permanência.
Pensando em idade madura, que nos faz naturalmente mais seletivos, me veio a idéia de mosaico, cada coisa que a gente vê ou gosta, vai juntando e se completando e se em algum momento a gente se sente lapidada pela sorte, à vontade mesmo, então é feliz. O que não quer dizer que esteja alheia ao que está em volta nem fechada às novas aquisições, aspirações ou conquistas, só significa que a gente está cada vez mais inteira. Não que não tenha nada que sobre ou destoe, que não possa aprimorar em um outro momento, mas mesmo isso não rejeitar, por saber que tudo tem ou teve uma explicação e uma razão no momento em que aconteceu. Pode ter servido para encontrar um ângulo melhor, um pedaço mais liso e colorido para o nosso conjunto.
E para cuidar de ter, em vez de perfeição, harmonia.
quarta-feira, 13 de junho de 2007
Tempo
“O amor é um artigo em extinção”, li numa revista, numa sala de espera.
Tinha que ser logo agora, na nossa sempre curta passagem pela Terra?
Será que fomos nós os culpados, por um jeito desastrado de conduzir ou é só o rumo natural que a vida toma e que não dá para segurar ou governar?
Pensando melhor, talvez esteja só mudando. Evolução. Assim caminha a humanidade. Muito melhor pensar em mudança do que perda.
Em vez de pensar só em como se sofre por amor, passei a pensar nas mudanças que o amor sofreu. Talvez seja tudo uma questão de tempo. Depois que inventaram a linha de montagem, o automóvel, o avião e o trem-bala, o mundo passou a viver mais rápido. Deveria sobrar mais tempo, já que se faz tudo tão rápido, mas não é assim, temos cada vez menos tempo para as coisas de que mais gostamos. Conhecer alguém, com calma.
Para ver se dá para confiar, se acredita.
Para saber se vai sentir falta, precisa tempo. Mas aí, já passou o nosso tempo...
O mundo tem muita gente, menos repressão, gente nova em cada esquina, ofertas de encontros ainda não desgastados pelo tempo, e sem compromisso com o tempo de duração, o que diminui a exigência. Não é bem que o amor esteja se acabando – sem tempo para investir no decantado sentimento, virou quase passa-tempo. Passando a fase aguda, muitos amores passam.
Nenhuma condenação aos nossos tempos modernos. Não estaremos só querendo tempos mais livres, leves e soltos? Tanto foi se pendurando na conta do amor, através dos tempos – obrigações, imposições, rituais, cálculos, avaliações e regras - que nem sempre se dá o peso certo ao que realmente importa. Até porque para isso é preciso primeiro saber o que realmente importa, e os tempos agora são rasos e/ou rápidos... Acho que o que passou mesmo foi o tempo das grandes paixões. Capitus, Iracemas, Julietas, durmam para sempre. O pobre do amor romântico andou sendo acusado de ser muito prático – até com razão - mas acho que o que está valendo no momento, para não se perder tempo, é a praticidade mesmo.
Achados e Perdidos na FM:
O Negócio é Amar
(Carlos Lyra e Dolores Duran)
Tem gente que ama, que vive brigando
E depois que briga acaba voltando
Tem gente que canta porque está amando
Quem não tem amor leva a vida esperando
Uns amam pra frente, e nunca se esquecem
Mas são tão pouquinhos que nem aparecem
Tem uns que são fracos, que dão pra beber
Outros fazem samba e adoram sofrer
Tem apaixonado que faz serenata
Tem amor de raça e amor vira-lata
Amor com champagne, amor com cachaça
Amor nos iates, nos bancos de praça
Tem homem que briga pela bem-amada
Tem mulher maluca que atura porrada
Tem quem ama tanto que até enlouquece
Tem quem dê a vida por quem não merece
Amores à vista, amores à prazo
Amor ciumento que só cria caso
Tem gente que jura que não volta mais
Mas jura sabendo que não é capaz
Tem gente que escreve até poesia
E rima saudade com hipocrisia
Tem assunto à bessa pra gente falar
Mas não interessa o negócio é amar...
domingo, 10 de junho de 2007
Não rimarás amor e dor
“O grande mal é que culturalmente estamos acostumados a associar o amor a uma série de problemas que não lhe pertencem: a solidão, a dependência, a auto-afirmação. A solidão não se resolve através da vida amorosa, mas de uma relação fraterna e solidária com todos”. Antônio Alçada Batista, escritor português.
“A todos nos é dada a possibilidade de uma grande paixão, que às vezes deixamos de viver por causa do medo. Preferimos nos contentar com um amor em banho-maria, na forma de edições de bolso, que se pode adquirir em cômodas prestações, como as máquinas de lavar. Preferimos um amor doméstico, que nos faça ligeiramente contentes – nem felizes, nem desgraçados, apenas contentes. Não queremos viver a grande paixão porque, na realidade, nos assusta essa suposta possibilidade de anulação”. Antonio Gala, escritor espanhol.
A gente sabe quando é paixão, mas o que será a grande paixão?
A mais ardentemente desejada? A mais difícil de alcançar? Ou a difícil de sustentar? A que nos vem naturalmente? A que brigamos por ela? A que queremos mesmo se sabemos que não nos quer de verdade, ou a que sabemos que nos quer? Qual será a que tinha que ser?
O “amor doméstico” talvez não seja um amor medíocre, mas um amor possível.
A grande paixão pode ser absorvente, exigente ou ter um preço alto demais, e se não a abraçamos, talvez seja mais pela consciência desse preço do que por medo, por puro instinto de sobrevivência - sabemos que algumas paixões tem grande chance de acabar numa cena de sangue num bar da Avenida São João...
A paixão, razão da nossa vida, nem sempre tem toda a razão.
Já que o ser humano não vem com nenhuma garantia,
para não perder a cabeça, melhor ter os pés no chão. Mas atentos para não deixar de cair nas tentações que merecem o risco da queda livre.
sexta-feira, 8 de junho de 2007
Contramão e contramarchas
O que fazer com o impulso de escrever, que me assaltou no Carnaval de 2004, depois de cruzar a avenida numa ala chamada Utopia? Acabei aceitando a idéia, que rejeitava, de fazer um blog. Diários, escrevi vários na adolescência, para mais tarde queimar. Diários só interessam a quem escreve, e se não me interessavam mais, para que guardar?
Para que escrever então, se a cada dia acordo de um jeito, e rejeito o que escrevi no passado?
Escrever, com ou sem ambição de fazer literatura, é um bom exercício mental, um ato de reflexão, um luxo a que a gente não costuma se dar – agora, só se gasta tempo com o que é premente e objetivo. O meu objetivo é ser precisa no que quero dizer.
Acho que viver num mundo que muda tão rápido produz duas sensações:
a de achar que tudo é efêmero e não vale perder muito tempo com nada,
e a necessidade, em algum momento da vida, de digerir o que vimos e vivemos. Namoro a primeira, mas abraço a segunda.
sábado, 2 de junho de 2007
Beijing, Tianjin, Guangzhou, Shanghai
Shanghai se pronuncia aspirando o h, assim: xang-rái, como fariam os ingleses. Tianjin se fala tin-din. Guangzhou é o nosso conhecido Cantão. A China já estava chegando mais perto do Ocidente quando descobrimos que Pequim era na verdade Beijing, e assim pudemos começar a descobrir uma China mais chinesa do que nossos ouvidos percebiam do lado de cá.
Nunca tinha ouvido falar em Tianjin (tin-din) antes de ir até lá, e é uma cidade com dez milhões de habitantes, quase ao lado de Beijing. Vista do alto, do trigésimo terceiro andar de um gigantesco apartamento do hotel anexo à sede do jornal que nos convidava, era exatamente igual à Los Angeles ficcional do ano de 2019 do filme Blade Runner/O Caçador de Andróides.
Ainda sob o efeito da mudança radical do fuso horário, dormindo quase nada, a primeira visão da manhã era uma bola vermelha de sol nascente e a massa de prédios altíssimos vistos através de uma densa névoa de um ar muito pesado.
Estávamos no décimo-quinto dia do oitavo mês lunar, e à noite comemoramos o Festival da Lua, quando as pessoas se reúnem para jantar e trocar bolinhos redondos como a lua cheia. Os mais apreciados são recheados com uma gema escura de ovo de pata, isto é, apreciados pelos chineses... a lua apareceu, enorme. Há muitos séculos, quando a China era ocupada pelos mongóis, os bolinhos serviam para esconder mensagens passadas entre os chineses.
Tradições seculares se mantêm, mesmo com todas as mudanças que a China atravessa, mas a curiosidade e o interesse pelo Ocidente são flagrantes: impossível andar uma quadra em Beijing sem ser parado por várias pessoas sorridentes dizendo “hello!”, mesmo sem poder estabelecer qualquer diálogo, já que seu vocabulário não vai além disso. Superstições também permanecem: prédios sem o quarto andar - nos elevadores, do terceiro pulamos para o quinto. O número quatro tem a pronúncia parecida com a palavra morte, é rejeitado por todos. Já o oito, tem a mesma sonoridade de sorte, por isso as Olimpíadas de Pequim começarão no dia 08/08/2008.
Na terra de Mao – Mao Zedon, conhecido entre nós como Mao Tse Tung – a atração maior para os visitantes da casa em que ele nasceu, em Shaoshan, era o nosso grupo de olhos mais abertos. Entendemos quando soubemos que, entre os dez milhões de visitantes anuais que a casa recebe, menos de um milhão é de turistas estrangeiros. Isso explica porque esta visita não havia sido agendada para o nosso grupo de jornalistas. Só conseguimos ir a Shaoshan quando percebemos que estávamos a menos de cem quilômetros do local, visitando a próspera cidade (mais uma) de Changsha. Também nunca tinha ouvido falar em Changsha até chegar lá, embora as autoridades locais que nos receberam quisessem saber qual a idéia que eu fazia de Changsha antes de chegar lá... e na verdade, não poderia nem de longe imaginar que encontraria em Changsha um museu tão rico e bem montado como os encontrados em Londres e Nova York. Parece ser uma constante na China. O museu de arte chinesa de Shanghai vale um dia inteiro de visita e não as poucas horas que passamos lá.
No país que abriga a mais antiga civilização contínua do mundo, o que mais queriam mostrar ao nosso grupo de viajantes – não éramos turistas, éramos jornalistas convidados – tinha sempre menos de vinte anos de existência.
Na terra das multidões, os restaurantes têm muitas salas, todas com grandes mesas redondas, com um centro de mesa giratório, que permite que as pessoas se sirvam do que quiserem sem sair do lugar. Centros de mesa que eram um capítulo à parte em nossos banquetes: mares revoltos feitos de seda azul, em Qingdao, cidade de praias famosas e um porto chinês importante. Animais esculpidos em legumes como se fossem pequenos origamis, arranjos de flores inimagináveis – no tempo de Mao, era proibido plantar flores, visto como desperdício em um país que precisava alimentar tanta gente.
Os brindes durante as refeições eram motivo de apreensão e confusão: vários brindes, uns só para os visitantes, outros só para os anfitriões, outros só para as mulheres, e assim íamos, tentando fugir da cachaça nacional, que nosso paladar e olfato imediatamente rejeitaram. Comemos muito, e muito bem, na China, mesmo que nem sempre soubéssemos o que comíamos: caldo de barbatana de tubarão (uma deferência cara e luxuosa para visitantes), raiz de lótus, tofu defumado, muito peixe, muita pimenta e até, como insistia comigo um jovem tradutor recém formado, doce de papagaio. Diante da minha estranheza, ele soletrava: p-a-r-r-o-t cake! Mais tarde me dei conta de que ele devia estar confundindo com carrot cake, bolo de cenoura que, este sim, devia estar presente nos livros de inglês em que estudou. O doce era, na verdade, de rabanete. Uma confusão com graça e sem importância, mas lembro das confusões que fazíamos tentando nos entender em mandarim, quando não tínhamos por perto nossos esforçados intérpretes.
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