sábado, 2 de junho de 2007

Beijing, Tianjin, Guangzhou, Shanghai


Shanghai se pronuncia aspirando o h, assim: xang-rái, como fariam os ingleses. Tianjin se fala tin-din. Guangzhou é o nosso conhecido Cantão. A China já estava chegando mais perto do Ocidente quando descobrimos que Pequim era na verdade Beijing, e assim pudemos começar a descobrir uma China mais chinesa do que nossos ouvidos percebiam do lado de cá.
Nunca tinha ouvido falar em Tianjin (tin-din) antes de ir até lá, e é uma cidade com dez milhões de habitantes, quase ao lado de Beijing. Vista do alto, do trigésimo terceiro andar de um gigantesco apartamento do hotel anexo à sede do jornal que nos convidava, era exatamente igual à Los Angeles ficcional do ano de 2019 do filme Blade Runner/O Caçador de Andróides.
Ainda sob o efeito da mudança radical do fuso horário, dormindo quase nada, a primeira visão da manhã era uma bola vermelha de sol nascente e a massa de prédios altíssimos vistos através de uma densa névoa de um ar muito pesado.
Estávamos no décimo-quinto dia do oitavo mês lunar, e à noite comemoramos o Festival da Lua, quando as pessoas se reúnem para jantar e trocar bolinhos redondos como a lua cheia. Os mais apreciados são recheados com uma gema escura de ovo de pata, isto é, apreciados pelos chineses... a lua apareceu, enorme. Há muitos séculos, quando a China era ocupada pelos mongóis, os bolinhos serviam para esconder mensagens passadas entre os chineses.
Tradições seculares se mantêm, mesmo com todas as mudanças que a China atravessa, mas a curiosidade e o interesse pelo Ocidente são flagrantes: impossível andar uma quadra em Beijing sem ser parado por várias pessoas sorridentes dizendo “hello!”, mesmo sem poder estabelecer qualquer diálogo, já que seu vocabulário não vai além disso. Superstições também permanecem: prédios sem o quarto andar - nos elevadores, do terceiro pulamos para o quinto. O número quatro tem a pronúncia parecida com a palavra morte, é rejeitado por todos. Já o oito, tem a mesma sonoridade de sorte, por isso as Olimpíadas de Pequim começarão no dia 08/08/2008.
Na terra de Mao – Mao Zedon, conhecido entre nós como Mao Tse Tung – a atração maior para os visitantes da casa em que ele nasceu, em Shaoshan, era o nosso grupo de olhos mais abertos. Entendemos quando soubemos que, entre os dez milhões de visitantes anuais que a casa recebe, menos de um milhão é de turistas estrangeiros. Isso explica porque esta visita não havia sido agendada para o nosso grupo de jornalistas. Só conseguimos ir a Shaoshan quando percebemos que estávamos a menos de cem quilômetros do local, visitando a próspera cidade (mais uma) de Changsha. Também nunca tinha ouvido falar em Changsha até chegar lá, embora as autoridades locais que nos receberam quisessem saber qual a idéia que eu fazia de Changsha antes de chegar lá... e na verdade, não poderia nem de longe imaginar que encontraria em Changsha um museu tão rico e bem montado como os encontrados em Londres e Nova York. Parece ser uma constante na China. O museu de arte chinesa de Shanghai vale um dia inteiro de visita e não as poucas horas que passamos lá.
No país que abriga a mais antiga civilização contínua do mundo, o que mais queriam mostrar ao nosso grupo de viajantes – não éramos turistas, éramos jornalistas convidados – tinha sempre menos de vinte anos de existência.
Na terra das multidões, os restaurantes têm muitas salas, todas com grandes mesas redondas, com um centro de mesa giratório, que permite que as pessoas se sirvam do que quiserem sem sair do lugar. Centros de mesa que eram um capítulo à parte em nossos banquetes: mares revoltos feitos de seda azul, em Qingdao, cidade de praias famosas e um porto chinês importante. Animais esculpidos em legumes como se fossem pequenos origamis, arranjos de flores inimagináveis – no tempo de Mao, era proibido plantar flores, visto como desperdício em um país que precisava alimentar tanta gente.
Os brindes durante as refeições eram motivo de apreensão e confusão: vários brindes, uns só para os visitantes, outros só para os anfitriões, outros só para as mulheres, e assim íamos, tentando fugir da cachaça nacional, que nosso paladar e olfato imediatamente rejeitaram. Comemos muito, e muito bem, na China, mesmo que nem sempre soubéssemos o que comíamos: caldo de barbatana de tubarão (uma deferência cara e luxuosa para visitantes), raiz de lótus, tofu defumado, muito peixe, muita pimenta e até, como insistia comigo um jovem tradutor recém formado, doce de papagaio. Diante da minha estranheza, ele soletrava: p-a-r-r-o-t cake! Mais tarde me dei conta de que ele devia estar confundindo com carrot cake, bolo de cenoura que, este sim, devia estar presente nos livros de inglês em que estudou. O doce era, na verdade, de rabanete. Uma confusão com graça e sem importância, mas lembro das confusões que fazíamos tentando nos entender em mandarim, quando não tínhamos por perto nossos esforçados intérpretes.

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