segunda-feira, 18 de junho de 2007

Oriente


Tudo surpreende no Egito. A começar pelo indescritível calor, um choque mesmo para quem vinha de um país tropical. Tomar chá quente sob o sol escaldante no Vale dos Reis, um contra-senso? Percebi que tinha muito que aprender sobre calor: a bebida quente faz suar, e o suor, com uma leve brisa ou mesmo o abano de um simples leque, refresca o corpo.
Cobrir o corpo protege a pele contra o sol, inclemente mesmo em setembro, passado o verão: roupas compridas também protegem as mulheres contra a ousadia dos homens nas ruas. Não é suficiente, contudo, cobrir os braços e as pernas para sair em público: andar com os cabelos descobertos pode ser visto como um ato de provocação. Cabelos femininos são muito sensuais, explicou uma delicada e graduada funcionária pública egípcia. Pude entender melhor quando saí de uma loja sem comprar o colar que eu queria, assustada com os braços do solícito vendedor em volta do meu pescoço. Minha indignação virou resignação com a explicação do nosso intérprete: aos olhos de um homem comum, no Oriente Médio, somos todas iguais à Demi Moore e temos o mesmo comportamento das personagens dela nos filmes, o que os deixa muito à vontade para aceitar a nossa explícita – para eles! - provocação. Fiquei sem saber se deveria agradecer, pelo interesse e pela clara explicação, e fiquei sem o colar.
Comprar, aliás, no Egito, não é um verbo de fácil conjugação.
Negociar é um ritual, quase uma arte. Aceitar o primeiro preço dado, além de pagar mais do que se deve, pode deixar o vendedor decepcionado, privado do orgulho de exercitar e exibir sua prática como negociante.
A sensação de descer o Rio Nilo é a de deslizar sobre a Bíblia.
É um rio calmo e silencioso, ladeado por barrancos de areia branca e lindas palmeiras. É ainda um cenário do passado, como o de um filme histórico do cinema mudo. Senhoras com mantos, jumentos e choupanas, parte dos cenários bíblicos que imaginamos nas aulas de catecismo, aparecem no nosso caminho, no Egito rural. No barco, nas camas dos camarotes, sempre uma surpresa: a toalha dobrada em forma de cisne, ou buganvílias espalhadas, como se fosse uma cama na varanda, que um vento tivesse coberto de flor.
Mesmo que já familiares através dos livros de história e de Hollywood, a imponência dos templos e monumentos nos tira a capacidade de entender a realização de construções de tamanha grandeza, ainda sem nenhuma ajuda tecnológica.
Tudo o que cerca os monumentos é moderno - podemos comer uma pizza sentados em uma lanchonete ou ligar para casa de um telefone público, tendo as pirâmides em nossa frente – sua beleza continua intacta, mas o mistério é ainda mais desconcertante: são como anacrônicos dinossauros petrificados.
Anacrônicos como pareciam para nós os costumes e a falta de liberdade. Éramos permanentemente acompanhados por um comboio de guardas armados que nos protegiam e/ou nos vigiavam? O medo de um atentado e da repercussão de um atentado contra estrangeiros é enorme, num país que praticamente vive do turismo. E o perigo parecia presente em algumas áreas que visitamos, e nas que não fomos autorizados a visitar. Testemunhamos uma eleição presidencial, com cartazes e santinhos da campanha eleitoral por todo o país - o curioso é que toda a propaganda era para um candidato único, o atual presidente a ser reeleito. Mas quem somos nós, colegas de terceiro mundo, para falar de falta de liberdade, se conseguimos apenas a liberdade de reclamar de tanta desigualdade no Ocidente, sem conseguir mudar grande coisa?
Mesmo que muitos brasileiros não estranhem as areias, as praias, o barulho, a desordem das cidades, tudo no Egito é alguns tons acima. A sonoridade inesperada, as músicas que parecem não ter começo nem fim, de tão diferentes que soam aos nossos ouvidos educados no ocidente, ajudam a nos lembrar que estamos bem longe de casa.
Até os pratos da cozinha árabe que conhecemos em nossa terra são diferentes por lá: é mais fácil comprar um quibe – especialidade síria e libanesa – no Brasil do que no Egito.
Na praia de um tranqüilo balneário às margens do Mediterrâneo, crianças brincam de construir pirâmides de areia, no lugar de castelos. As tamareiras da paisagem lembram que estamos no Oriente e sentimos, até sem pensar ou querer, como é forte o poder da cultura. Está na alma do povo e mesmo que não se possa ver a alma, ela acaba brotando na paisagem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vandinha
Bela foto.
Hoje almocei com uma amiga carioca que morre de saudades do Rio, e falávamos de viagens.
Agora te vejo no Egito, penso que é um lugar onde dificilmente irei um dia e me dá vontade de ter um tapete voador.
Regina