segunda-feira, 30 de abril de 2007

Trivial Simples, Forno e Fogão


Depois de traduzir dois livros de gastronomia, passei muito tempo organizando, nas horas vagas, um dicionário culinário. Comentando o projeto com minha filha, ainda uma criança, a observação dela mostrou a simplicidade com que culinária costumava ser encarada: “Jornalista não faz livro de cozinha, jornalista faz livro sério”!
Em muito poucos anos, tudo isso mudou, minha filha cresceu sem nenhum preconceito, sabendo valorizar o que deve ser valorizado, e a atividade culinária passou também em pouco tempo a ser mais difundida e merecer maior interesse e importância.
A verdade é que tendo já uma profissão que me ocupava e ocupa tanto, só conseguia dedicar tanto tempo e energia a esse projeto por se tratar de um assunto que sempre me interessou muito. Desde criança recortava receitas de jornais e revistas, fazia cadernos e guardava livros de receitas, alguns da minha avó, dados pela minha mãe, que não tinha nenhum talento culinário, mas de quem herdei, além da mania de guardar e arquivar o que gostava, a mistura do sangue português e francês, povos de ricas tradições nesse campo e muito gosto pelo ato de comer. O gosto pela cozinha veio do meu pai, que exercia seus dotes culinários em casa, nos fins de semana, quando fazia uma incomparável carne assada com molho ferrugem, para alegria dos filhos.
Mas a maior sensação de prazer ligado à alimentação veio mesmo ao amamentar minha filha. Talvez por isso existam tantos chefs homens: uma forma inconsciente de buscar a alegria de alimentar. Por mais corriqueira que seja, qualquer atividade nesta área é ligada à vida, e por isso, nobre, mesmo não sendo uma atividade intelectual.
A sério, devemos fazer até uma omelete.
O que eu não pretendo é me levar a sério, e nem ser séria – se em algum momento eu for, é por descuido mesmo.

sábado, 28 de abril de 2007

Abrindo caminho entre as linhas tortas, na tentativa de decodificar o meio de campo


Tem uma hora em que a vida parece chegar numa encruzilhada, e a gente bem no meio, entre o passado e o futuro, as cavernas e o átomo, a vara de marmelo - alguém já viu uma? - e Freud.
Acho que todas as pessoas, independente da geração ou da época em que vivem, passam por isso. Turning point.
Lembro sempre de um tio que, não sabendo o que dizer diante de uma situação pouco ortodoxa envolvendo uma amiga nossa, sentenciou: “antes havia moças direitas e as que não eram de família, hoje não sei, embolou o meio de campo...”
Sempre achei a historia engraçada, e embora de fundo moralista, já trazia uma aceitação no desabafo.
Depois de algumas décadas vividas, acho que volta e meia a gente tropeça é no descompasso entre o que aprendeu quando era criança e o que vive no cínico e sonso mundo adulto. É uma encruzilhada ética. As medidas saem do manual de instruções dos pais e professores e passam a ser nossas.
E aí começam as diferenças. Mentira vale se for por justa causa. E o que é que vale mais, ser mais sincero ou mais delicado?
Humildade, simplicidade, modéstia, antigas qualidades ensinadas à exaustão num passado nem tão distante assim, são hoje um estorvo a ser evitado a todo custo, desprezíveis empecilhos na adulta corrida de ratos.
Corrida em que, às vezes, a gente tropeça por falta de um desses ensinamentos meio antiguinhos... Alguns viram clichês – autenticidade, para lembrar um, e quando passam, depois de muito batidos, parece que levam junto com a palavra o significado dela. Confiança. Ainda se consegue em algum lugar?
Outro dia, li na internet um texto onde a moral da história era louvar as qualidades da estratégia. Por caminhos completamente dissimulados, ou seja, falsos, se chegava onde se queria. Inteligência e talento em edição revista e atualizada. Novos tempos, novos costumes. Melhor evitar julgamentos e comparações, sobreviver nesses tempos de superpopulação não é uma tarefa fácil.
Em tempos ideais, a razão é a razão, não precisa de estratégia.
Só sei que não consegui ainda chegar à conclusão se a vida vai ficando mais fácil porque acumulamos o que aprendemos - quando aprendemos - ou mais difícil porque vamos ficando com um descompasso entre o que aprendemos que era certo e o jeito em que precisamos viver nesse insensato mundo que nos coube.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Clarice



De Rubem Braga para Clarice Lispector:

"É engraçado como tendo um jeito tão diferente de sentir as coisas (você pega mil ondas que eu não capto, eu me sinto como um rádio vagabundo, de galena, só pegando a estação da esquina e você de radar, de televisão, ondas curtas) é engraçado como você me atinge e me enriquece ao mesmo tempo que faz um certo mal, me faz sentir menos sólido e seguro. Leio o que você escreve com verdadeira emoção e não resisto a lhe dizer muito e muito obrigado por causa disso".

A foto foi feita na exposição Clarice Lispector/ A Hora da Estrela, aberta hoje no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. O entusiasmo de Rubem Braga depois de ler alguns contos de Clarice, tirei da biografia "Eu sou uma Pergunta", de Teresa Cristina Montero Ferreira.
Vi a exposição na abertura, e ela precisa ser percorrida com calma. Temos até setembro para mais uma ou várias visitas, que a Clarice largamente jutifica.

sábado, 21 de abril de 2007

Choro e Ranger de Dentes

Já tive minha casa assaltada e acho que posso avaliar o que a vítima de violência mais dramática pode sentir. Entendo que a violência no Rio e em São Paulo, ou em qualquer outra cidade brasileira onde ela infelizmente se instalou, cause luto e profundo pesar. Já indignação e revolta, eu sinto em outra direção, e não com relação aos casos diariamente estampados com grande destaque nos jornais. Surpresa pela triste e crescente rotina que ela virou, não me sinto no direito de ficar. Essa escalada era líquida e certa. Reproduzo como triste ilustração do que falo, o trecho de um artigo achado em meus arquivos, que foi publicado no Jornal do Brasil em 14/05/1997:
Ressocialização e arte - Imagine uma sala pequena, suarenta e quase escura, com 46 meninos dentro. Vinte e cinco são negros, 12 mulatos e brancos, 16 estão com piolho, 4 com escabiose, 11 com conjuntivite, um tem o corpo coberto por furúnculos. Vinte e três têm cicatrizes de agressões violentas pelo corpo, 12 já foram baleados, 4 feridos à faca, 3 têm marcas de queimaduras. Vinte e seis são analfabetos totais, 12 só sabem escrever o próprio nome, 28 são órfãos de pai, 8 órfãos de mãe, 6 órfãos de pai e mãe. Nove foram violentados nas ruas, 39 já fumaram maconha, 36 declararma-se usuários de cola, 7 têm tiques nervosos ou gagueira. Um tem hipermetropia e catarata degenerativa, um está com pneumonia, um com suspeita de tuberculose, um tem a pele da perna direita tão fragilizada que se rompe a qualquer toque devido a graves lesões provocadas pro fogo, 23 estão com algum tipo de doença venérea, 6 estão jurados de morte pelo tráfico, 11 têm desavenças graves na comunidade ou no presídio (...) Esse bando de infelizes já quase não reclama da privação da liberdade, pois ali dentro parece um pouquinho mais com uma casa do que na rua, os riscos são menores do que as madrugadas num canto de calçada de uma cidade do Brasil. Esses órfãos absolutos do estado até que tentaram arranjar emprego, mas descobriram que como aviões do tráfico poderiam ganhar até 4 salários mínimos por dia, enquanto suas mães davam duro o mês inteiro para levar para casa a metade disso. Esse grupo, de trágico passado e sombrio futuro, está reunido nesta sala, numa tarde quente, para ouvir Mozart e pintar à óleo. E o trabalho que resulta desta oficina encanta a todos e revela, apesar de tudo, uma remanescente alma de criança neste meninos de caras feias. Mais de 50% deles, pelo simples exercício do ato de pintar, modifica tão radicalmente seu comportamento que justifica a diminuição, ou até a suspensão da pena a que foram condenados.(...)No entanto, só no Rio de Janeiro, são 700 menores assassinados a cada ano(...) São as cicatrizes da vergonhosa omissão do Estado brasileiro. Há um genocídio de crianças em curso no Brasil. Hoje à noite, milhares delas estarão se prostituindo ou sendo violentadas por esse país afora. E enquanto não encararmos essa questão prioritariamente, todo o resto é conversa fiada. Antonio Veronese, artista plástico."

John Updike, escritor, O Globo, 17/03/2007: " A violência vem da falta de futuro. São jovens que não têm nada a perder. Eles já vivem no inferno. A vida para eles parece terrível demais e, o que é pior, não há saída para esse inferno cotidiano. No caso do Brasil, isto vem da miséria misturada à falta total de perspectiva. Não sobra nada: não há qualquer noção do que seja dignidade, do que seja decência. Não há esperança na visão de mundo desses jovens. Para eles, não há recompensa nesta vida ou neste mundo. O sofrimento só termina com a morte. Esta é a nova face da juventude. Isto não acontece só no Brasil, mas no Brasil esta desesperança é agravada pela miséria".
Daí o meu desalento - e indignação - quando assisto a discussão sobre redução da maioridade penal. Pena de morte, não acho necessário discutir. Ela é oficializada no Brasil há séculos, e certamente por estar se tornando uma prática tão democrática - está nas casas, nas ruas, nas favelas - esteja causando tanta indignação.

domingo, 15 de abril de 2007

Bom Dia, Alegria

Correndo na academia do hotel, a dúvida: e se bom mesmo for deixar essa esteira de lado e me acabar comendo pastéis de Belém? Mas eles não ficaram menos saborosos depois que começamos a contar calorias?
Nada mais difícil pra mim do que as dúvidas. Sou uma pessoa partida ao meio quando tenho que tomar uma decisão. Sempre dividida. Talvez algumas sessões de análise pudessem resolver isso facilmente, mas esta é outra das minhas dúvidas. Não sei: uma boa análise faz muito bem e pode encurtar dolorosos caminhos, mas não seria mais sólido chegar lá pela própria cabeça? Fico em dúvida. Às vezes parece até mais fácil suportar dor do que dúvidas.
Decidir é escolher, e quase sempre abrir mão de alguma coisa. Será excesso de apego, falta de maturidade crônica? Insegurança, medo, ou as marcas de algumas dores que não tiveram cura, e nunca terão?
Mas a vida é sempre viva e se renova, e voltando aos pastéis de Belém, pensei em duas palavras: felicidade e prazer. Quem tem real prazer é feliz?
Tem sentido controlar o prazer, coisa tão rara? Sem limites, pode comprometer a felicidade, mais abrangente e duradoura - será? dupla interrogação aqui.
O que é melhor, ficar magra ou comer pastéis? Certamente é estar feliz com o próprio corpo ou, comidos todos os pastéis, ter alguém que nos queira assim. Então, felicidade é ter amor. Amor incondicional. Mas quem tem, nem sempre se dá conta ou se contenta com o que tem, e eu confesso que me prefiro magra e saudável.
Felicidade pode estar num bom dicionário, adoro dicionários, mas nem sempre podemos confiar totalmente neles.
Um deles me diz que prazer é alegria e felicidade é sucesso.
Eu ligava felicidade à plenitude e paz, e estes sinônimos, não encontrei lá.
E como nada traz mais desassossego do que amor e paixão, fiquei em dúvida quanto à paz, e lembrei da letra do Chico de “A Ostra e o Vento”: “Ah, meu amor, para sempre, nunca me conceda descansar”.
Confiança, amizade, amor, paixão, o que vale mais? Amizade verdadeira é coisa rara e preciosa. Amizades costumam resistir mais que paixão. Mas para que pensar em duração, se não viemos ao mundo com prazo de validade - vide Blade Runner / O Caçador de Andróides?
Pensando bem, para que ter dúvidas? Ora, para chegar a um bom porto, às boas decisões. Decisões não são fáceis, nem mesmo com a ajuda dos astros, não basta o signo, tem que saber o ascendente.
Talvez a sabedoria esteja em deixar a onipotência de lado, a vida seguir seu curso e resolver um pouco por nós...
Mas e se o curso não for o que a gente quer, quem sabe a gente muda? dúvidas...
tenho, no entanto, uma única certeza: a gente nasce pra ser feliz.

sábado, 7 de abril de 2007

Preciso de Férias!



Chomsky está decepcionado com Lula -
Esperava reformas sociais. Em vez disso, Lula governa para os banqueiros, diz ele.
Mas Chomsky diz que gosta do nosso presidente, aprendeu com ele a maneira esperta de comer em churrascarias rodízio, recusando as carnes menos nobres que vem primeiro. Li isso numa manchete bem grande, primeira página de jornal. Ele apontou também como fato muito positivo o fim da dependência financeira do Brasil ao FMI, já na segunda página. Porque na primeira página, na única manchete maior que a decepção de Chomsky, reinava soberano o apagão aéreo. Uma notícia bem pequena me tranquilizou, no entanto: falava da futura volta dos trens de passageiros. Quem sabe há mesmo males que vem para o bem? Vou ser a primeira a chegar na estação. Adoro trens, mas em matéria de política, sou simples, simplória até. Nunca tive partido, mas sempre votei com consciência e esperança.
Depois que meus pais se mudaram para a serra, eu visitava muito minha avó paterna, que morava em uma casa de dois andares numa rua sem saída em Botafogo, e uma bandeira do Botafogo hasteada na varanda de cima sempre que o time jogava. Ela passava muito tempo ouvindo no rádio programas de política e futebol, os dois maiores interesses dela. Dizem que os frutos não caem longe da árvore. Não ouço muito rádio, mas sou viciada em jornal. Qualquer jornal, mesmo os que não me agradam. E lendo jornais, em todos os jornais percebo que nos últimos tempos economia não é mais muito importante por aqui - não foi só o FMI que saiu da primeira página. O risco Brasil, a cotação do dólar também andam sumidos. A violência ocupou quase todos os espaços. E aí, eu volto a ser simplória: de barriga cheia, satisfeitas, as pessoas não ficam mais pacíficas? E pior do que o risco Brasil, é o risco de ser achada por uma bala perdida. Até a polícia trabalharia muito melhor se fosse bem paga. Mas aí a gente vai acabar falando de economia, distribuição de renda, reformas sociais. Chomsky não faz idéia de como o presidente dele fica bravo quando ouve falar em reformas sociais. Ele e a classe dominante, a de lá e a daqui. Por muito menos, por muito pouco não houve um golpe de estado na Venezuela. Impossível mesmo agradar a todo mundo.

domingo, 1 de abril de 2007

Verdades ou Nem Tanto


Vi recentemente uma pesquisa sobre infidelidade, que mostrava que o mais alto índice de infidelidade masculina se encontra na Bahia, e o de feminina, no Rio.
Antes que olhem desconfiados ou interessados demais para as cariocas, eu olho desconfiada para pesquisas, não para essa, especificamente, mas para pesquisas de um modo geral. Podem sempre indicar uma tendência, e dependendo de sua realização e abrangência, podem ser ou mais ou menos fiéis à realidade. Podem ajudar a vender algum produto,podem acertar ou errar, como já foi provado em tantas eleições. Mesmo assim, resultados de pesquisas são com freqüência assimilados como verdade líquida e certa.
Vi um exemplo disso no filme "Obrigado por Fumar": você pode não conseguir provar o improvável, mas desviando o foco, pode atenuar uma verdade indesejável (já que falei em foco, as coisas nem sempre são o que parecem ser: esse filme trata muito mais de hipocrisia do que de cigarros...).
Voltando ao tema da pesquisa: quando vi o resultado mencionado acima, lembrei do que ouvi do dono de uma sex shop com quem conversava em um grupo de trabalho – sem ser um estudioso, ele me pareceu um observador privilegiado:
“Ao longo dos anos, fui mudando a impressão que tinha sobre as cariocas. Elas são muito menos voltadas para o sexo do que o imaginário nacional parece acreditar. Na verdade agem com muito mais naturalidade e liberdade, e com muito menos malícia, premeditação, licenciosidade...”
Se assim for, quem sabe seriam mais sinceras que as outras ao responder uma pesquisa? E sendo assim, o resultado é questionável...
Mesmo sem nenhum julgamento de valor sobre o comportamento feminino, seja de que naturalidade for, e sem pretensão ou desejo de falir algum instituto, acho pertinentes a questão e o cuidado: pesquisas e especialistas tratam de tudo, mas nem sempre seus métodos e qualificações são tão claros quanto seus resultados. E elas têm grande poder de indução. Mesmo que possam nos orientar, podem também nos levar para a periferia da questão ou até para muito longe do lugar onde deveriam chegar.
Coincidências existem: já tinha escrito isso há alguns dias e ontem peguei no vídeo, consultando uma velha lista de filmes que não pude ver quando lançados, o filme "Kinsey, Vamos Falar de Sexo". Acho que quem viu o filme, além de ter visto um belo filme, vai concordar comigo, pelo cuidado com que aquela pesquisa foi realizada.