quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ilhas ou continente


Às vezes tenho o impulso de censurar esse blog, quando ele se volta muito pra dentro. Mas como acredito que falando do nosso quintal, falamos da humanidade, a nossa e a dos outros, não me censuro mais, mesmo com as bolsas de valores despencando lá fora.

Nos primórdios desse blog – que esse blog tem um passado, e pior, já penso naquele tempo com saudade - escrevi sobre ciúme, prisão e posse.

Laços que respeitem a individualidade, vínculos afetivos e eróticos mais superficiais, leio agora que são apontados como solução para a vida amorosa.
Tudo muito razoável, mas paixão pede rédea curta, porque vem com expectativas cegas, que não aceitam demarcação.
Amor contínuo ou demarcado em ilhas?

Paixão tende a passar, amor pode durar mais.
Mesmo que hoje a tendência seja soltar os lastros, viver sem acumular nem poeira nos ombros, muito menos carregar neles compromissos e responsabilidades além do que o desejo manda, as dificuldades apenas mudam de figura, e de algumas a gente não se livra fácil.
Parece que a nossa liberdade é inversamente proporcional à nossa lealdade, sensibilidade e solidariedade com o outro. Equilíbrio difícil, se não impossível.

O problema é o desgaste, quando passa a novidade. Mas não saberia dizer se a atração, ou o desgaste, são maiores ou mais duradouros pelas afinidades ou pelas diferenças. Acho que aí vai depender de que afinidades e de que diferenças... mas diria que o que precisa ser igual é o sentimento, e a intenção do sentimento. Se não for igual, alguém sempre vai ficar triste.

O que determina os encontros, por mais que a ciência descubra e classifique, ainda é misterioso, e a gente ainda tem que contar com o acaso e a coincidência de atravessar uma rua ou de tomar um avião na hora certa ou errada. Ou a humanidade tem muita sorte ou procura o tempo todo, porque o tempo todo tem gente encontrando gente. E achando, sempre, que encontrou a pessoa ideal. Ideal. Será que aí é que mora o problema? Bom, mais triste é achar que ninguém é ideal, e não conseguir escolher.

Equilíbrio, palavra mágica. Sinceridade, palavra obrigatória. Conhecimento, palavra abençoada. Já palavra, é um dom e não uma tortura.
Tenha cuidado: fugir das palavras por medo de perder ou para usar a indefinição como escudo não leva a bom porto.
Ilusão se apresenta melhor, muito melhor do que a vida real, mas tem o inconveniente de que quando acaba, a gente está rigorosamente sem nada. Desiludida. É diferente de sonho, que enche de energia e leva a gente pra frente.
Mentir um pouco pode ser necessário, aprendemos quando crescemos. Eventualmente pode ser até gesto de carinho. Mas é caminho tortuoso, fácil de se perder, errar a mão. Pode viciar, e vício, nesse caso, não é bom para todas as partes envolvidas. Como artifício para chegar logo ao fim, é o caminho, mas é o fim!
Meu espírito é leve, minha vida nem tanto, mas hoje minha meta não é mais ter leveza. Não quero peso, mas quero pesar o que valho. Não tenho mais medo de admitir que gosto de consistência.
Gostar de alguém ao léu é muito bom, mas desconfiar que a facilidade agrada mais do que a nossa pessoa pode ser frustrante.
Nas mulheres, a ciência diz que a atração por homens prósperos e bem sucedidos é atávica, para garantir genes fortes e a proteção melhor da cria. Nos homens, então, esse comportamento já seria mais adquirido, um traço da personalidade. A ciência aí, parece que deixa as mulheres melhor na foto, nos concede um atenuante contra julgamentos maldosos.
Aceitar que o mundo não é um tribunal de justiça tem me ajudado – até porque nem os tribunais costumam ser justos. Alguns tem mais sorte, outros tem menos, e pronto. Saber lidar com a própria sorte é uma ciência. E prestar atenção na falta de sorte. Se nada parece coincidir, quem sabe o caso é perdido mesmo...
Um bom início talvez seja diminuir as cobranças. Mas aí penso que é bom não confundir cobranças com escolhas, algumas diretrizes são necessárias, e novamente a gente corre o risco, se não ficar alerta, de cair numa velha estrada...Ufa.

- A gente faz escolhas e elas pesam, me disse uma amiga um dia, lamentando um pouco o rumo que a vida estava tomando.
- Tem gente que faz as escolhas erradas, lembrou minha filha outro dia.
As “certas” também pesam, pensei eu.

- Pra viver, precisa muita prática. E a vida não dá tempo de aprender a metade, disse outro dia D.Deca, minha sogra - de 96 anos!
Sendo assim, a gente se aplica mais ou desiste de aprender e sai vivendo a vida ao sabor do vento?

Pensando nisso, sentei no sofá para ver um filme noir de 1950. No fim do filme, depois de recusar o rei da cocada preta, o Mr.Big, a mocinha explica: ninguém precisa de um troféu que se tenha que disputar e ganhar a cada temporada, até que a próxima se apresente. Vai sempre ter uma próxima. Quer uma pessoa, e vai ficar com quem sabe que quer mesmo ficar com ela. Os anos 50 parecem ingênuos para nós, mas aquela moça me pareceu muito sabida.
Acho que todo mundo sabe de tudo, só que às vezes não dá o nome à pessoa. Vou desistir da minha virtual missão de partilhar experiência adquirida na estrada da vida, e voltar para minhas aventuras na estrada, literalmente falando, as de terra batida.
Felicidade não é fácil nem de identificar, quanto mais encontrar.
São tantos os caminhos, nesse mundo tão mutante, que conseguir uma ligeira organização já merece comemoração.

6 comentários:

Selma Boiron disse...

Esta moça me parece muito sabida. Me parece ler no fundo de muitas cabeças - não só na minha - aquelas coisas q vemos, vivemos, sentimos mas não sabemos - ou não queremos - pôr em palavras.
Ando contente por ter um lar quente pr´onde voltar e um bom blog pra ler. E ainda comentar! Abs;)

vanda viveiros de castro disse...

e eu, muito feliz com seus comentários.
fico muito contente com quem lê e comenta comigo, volta e meia tenho gratos retornos, mas sentar e escrever aqui tem um peso especial.
você observou bem o que me surpreendeu na moça sabida - tem coisas que a gente sabe porque sabe, mas raramente verbaliza. e falar, como escrever, ajuda mais do que só pensar. melhor do que isso, só as surpresas que a vida traz.
Bjs

Anônimo disse...

Vandinha
Que texto intenso e interessante, vale reflexão. Adorei! Num mundo cada vez mais instantâneo, prestar atenção nas emoções e sentimentos é raridade e tudo que precisamos. beijos
Katia Coral

vanda viveiros de castro disse...

Bela surpresa, Katia, você é super bem vinda aqui, muito bom descobrir afinidades!
beijos

Anônimo disse...

Vandinha,
Que mulher de tantos talentos!!!!
ADOREI o blog!! Uma delícia de ver, e de ler!!!
As fotos são bem legais e as palavras são deliciosas!
Não só, me identifiquei muito com o conteúdo, mas como sua maneira
de colocar as coisas, as figuras que usa, os valores expressados
através delas..,
tudo!
Eu também gosto de escrever além de fotografar.Aliás adoro!
Ontem mesmo estava deitada para dormir e me deu uma vontade
incontrolável de colocar no papel tudo o que sentia e se passava
pela minha cabeça naquele momento.. levantei, peguei meu caderninho "Ben", e saí escrevendo.. muito bom!!
Vendo o seu, senti vontade de criar meu blog também.. meu jardim..
Quem sabe um dia me animo?..
Bom, deixo aqui o registro da minha alegria,
grata surpresa em descobrir este cantinho cheio de charme, sabedoria, inspiração,
inteligência, criatividade, sutilezas, siceridade, talento, cor, experiências,
e sobretudo, excelente humor.
Parabéns!!

Beijo grande,
Tita.

vanda viveiros de castro disse...

Tita, não tenho palavras, bom demais saber que você passou por aqui e gostou tanto! É claro que diante da fotógrafa que você é, minhas fotos ficam muito amadoras, mas acho que dá para ver que eu gosto do ofício - e também preciso de técnica, o que pretendo resolver breve...
Escreva sim! Faça um blog sim! Já tem a garantia de começar com fotos maravilhosas! Muitos beijos.