sábado, 29 de março de 2008
Vence na vida quem diz sim?
O trecho abaixo foi tirado do livro “Yes, Mr. DeMille”, de Phil Koury.
O autor descreve o primeiro encontro com o legendário e todo-poderoso diretor de Hollywood. Depois de sete anos como repórter e crítico de cinema, e de servir na II Guerra como oficial de marinha, ele aceitou o convite de Cecil B. DeMille para se juntar à sua famosa equipe, como assessor pessoal e assitente executivo, cargo que manteve por sete anos.
Seu temido empregador começou explicando a bagunça de sua sala:
“São pequenas coisas que ajudam a criar uma enorme produção. Nós gastamos fortunas pesquisando a era em que nossa história se passa, para torná-la autêntica. Você sabia que Pittsburgh já foi na Virgínia? Não sabia, sabia? Sabia que um regimento escocês marchou floresta a dentro e livrou o Fort Pitt, depois de encarar os índios? Agora, os críticos não acreditam nisso, sentam na máquina e escrevem que o Sr. DeMille é louco. (...) Imagino que você saiba que eu não me dou bem com críticos de cinema. Eles não gostam dos meus filmes. O público parece gostar, mas não os críticos.”
Ele falou devagar: “Dizem que eu só tenho em volta de mim gente que diz sim. Um “yes man” pode me fazer muito mal. Eu não funciono assim. Eu gosto da mente das pessoas. Eu sei o que eu sei, então eu estou interessado no que você sabe. Se você não me fala o que você pensa, se você concorda comigo, o filme sofre. Se você me disser o que você pensa, não teremos problemas. Eu tive uma pessoa aqui que decidiu que nunca diria sim. Dizia não para tudo para provar a todo mundo que não era um “yes man”. Depois, tive um colega muito agradável na sua função. Eu acabei tendo que pedir a ele que pelo amor de Deus esperasse eu terminar a frase para concordar.” (...)
Ele estava sorrindo de novo: “Você acha que vai gostar do seu trabalho aqui?”
- “Yes, Mr. De Mille”, eu disse.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Metafísicas
“Sou pequena ou sou grande?
Será que sou pequena?
ou será que sou grande?
Anão é pequena
Gigante é grande.
e eu?
Luiza, aos 8 anos, escreveu esse poema lindinho e revelador – tanto de talento quando de questionamentos que se apresentaram muito cedo.
Os meus, se não vieram tão cedo, me atormentam até tarde. Forte ou fraca?
Ai, a hora em que a crença não convence, a teoria não bate, a realidade não ajuda, a revisão não satisfaz, a vontade não sabe se quer, o chão não é mais tão seguro, e se é seguro a gente inventa um campo minado, e parece que enquanto viver vai viver eternamente – como se eterna fosse - às voltas com o dilema do ovo e da galinha.
Quem tem dúvidas nem sempre é indeciso, às vezes é inconformado mesmo, exigente. E não adianta só querer ser menos, que a gente não engana a si mesma. Menos, a gente tinha que ter escolhido lá atrás... agora, a gente quer mais. Eu? Quero ser cada vez mais leve. E questionar menos. Me ressentir menos. E sentir mais.
sábado, 22 de março de 2008
Secos e molhados
Qual o sentido de ver, ouvir e contar para os outros, que é o que um jornalista faz? Como uma notícia não é um quilo de batatas, ele precisa pensar, digerir, antes de traduzir da maneira mais clara e fiel – e atraente, por que não? - o que apreendeu, antes de passar adiante.
Se na esfera pessoal nosso desejo é ser singular e particular para quem nos interessa, no trabalho um jornalista precisa pensar em ser plural, interessar a mais gente possível (sem cair na vala comum, onde ninguém pode se sentir confortável). Para um fato virar notícia, e com muitas outras fazer um jornal, que precisa se manter, tem que interessar, cumprir uma função, às vezes até a não menos nobre função de simplesmente agradar e divertir.
Imagino que o primeiro jornal deve ter começado bem simplezinho, como a simplificação acima. Mas tudo na vida costuma começar bem simples, depois é que complica.
Tem muita gente que, quando faz comida para vender, e para lucrar mais, inventa logo um bromato no pão, um pouco a mais de fermento para o bolo render mais, um padeiro não tão bom mas que aceita um salário menor... porque é assim que age quem não tem nenhum outro compromisso a não ser com o lucro.
Se tivesse mais voz, teria sido cantora. Tenho ouvido.
Quando entrei na minha primeira redação, queria ser fotógrafa. Não era comum na época, só fui ter notícia de fotógrafas na imprensa muito tempo depois disso, e sendo assim o editor que me contratou me fez desistir - equipamento pesado, precisava de um treinamento, e eles precisavam de uma repórter.
Bem alfabetizada, com bom ouvido e um olhar interessado, virei repórter. Mas conseguir exercer este ofício com plenitude demanda mais do que isso. Se um ditado africano diz que é preciso uma aldeia para criar uma criança, eu acrescento: para se ter um jornalismo sério é preciso um país com uma dose mínima de compostura e caráter. Sem isso, tudo se complica mesmo: a notícia fica mais sensacionalista para vender mais, o compromisso com a verdade pode ser muito pequeno ou mesmo nenhum, sagrado mesmo não é o leitor, mas a satisfação dos anunciantes... porque quando era simples, o jornal era sustentado por quem lia, agora são empresas administradas por empresários, nem sempre jornalistas e com compromissos diversos. Em comum, o lucro, que não precisa necessáriamente ser em espécie, pode chegar de muitas outras formas.
Não é simples viver em um país eternamente em construção, com o agravante de não querer reconhecer a própria precariedade. Não poderia ser simples para os jornalistas. Mesmo assim, alguns ficam até bem confortáveis, alguns tem mesmo sorte, outros souberam achar o seu caminho, mas para muitos o exercício da profissão atualmente é uma grande frustração, ou uma luta inglória, às vezes um martírio, e em casos extremos, até uma pena de morte.
Na minha já longa carreira jornalística, fui e sou testemunha das mais variadas nuances de comportamento, onde o que faz diferença não tem nada a ver com a origem, a procedência, a formação ou conta bancária das pessoas. Prefiro cada vez mais ter por perto quem se importa menos com uma mancha na camisa do que no caráter, e isso não é demagogia. Em tempos assim, nosso papel acaba sendo mais o que conseguimos do que o que escolhemos. Cada um conhece as próprias dificuldades, e para não julgar, acho que o mais importante é cada um ter a percepção exata do seu papel, e a honestidade de não mascará-lo. Há quem use os grandes pecados empresariais para justificar toda a sorte de pequenos delitos. Há quem levante bandeiras para lutar pelos próprios privilégios, ou protestar por descabidos privilégios pessoais perdidos, mas nunca pelos da coletividade, e mesmo assim se achar com isso um grande contestador. Vivi vários anos sob ditadura já como jornalista, quando a mídia vivia sob censura, mas nunca imaginei que veria, como vejo agora, tanta desconexão e descontentamento entre a mídia e o público a que se destina. Durante a ditadura militar, a censura era uma inimiga explícita. Já hoje vivemos uma crise de aguda de falta de lucidez, onde os primeiros desinformados são os próprios jornalistas, levantando bandeiras que não são nem suas e nem de seu público.
Não é só a ternura que não devemos perder na estrada. Em qualquer circunstância, se a consciência se mantém acesa, isso faz toda a diferença no caso de se ter a chance de usá-la.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Pequena homenagem a um ator que não vendeu sua alma
20/03/2008 - 08h49
Paul Scofield, de "O homem que não vendeu sua alma", morre aos 86
LONDRES (Reuters) - Paul Scofield, reconhecido como um dos melhores atores britânicos de sua geração e ganhador do Oscar por seu papel em "O homem que não vendeu sua alma", morreu aos 86 anos de idade, vítima de uma leucemia, disse seu agente na quinta-feira.
Scofield, um ator reservado que evitava os holofotes, tinha a força, a voz e a presença para sobrepujar outros atores clássicos. Suas atuações são inesquecíveis --desde o Rei Lear, de Shakespeare, até um barbeiro homossexual na comédia "Staircase".
Paul Scofield ganhou Oscar de melhor ator por sua participação em "O Homem Que Não Vendeu Sua Alma"
Mas o brilho de Hollywood não o conquistou e ele era feliz por não ter alcançado o glamour de seus contemporâneos Richard Burton e Laurence Olivier. "Dos 10 melhores momentos do teatro, oito são de Scotfield", disse Burton certa vez.
A agente Rosalind Chatto disse que Scofield morreu em paz, na quarta-feira, em um hospital perto de sua casa no sul da Inglaterra. "Ele tinha leucemia e não estava bem há algum tempo", disse ela à Reuters.
Ele ganhou o Oscar de melhor ator em 1966 por seu majestoso retrato do mártir católico Sir Thomas More, que preferiu ser executado pelo rei Henrique 8o a trair sua consciência, no filme "O homem que não vendeu sua alma".
O autor Robert Bolt é o responsável pela adaptação da peça pela qual Scotfield ficou conhecido nos palcos de Londres e Nova York.
Apesar das inúmeras ofertas de Hollywood, Scofield preferia ser discreto, fazendo mais filmes mas ainda atuando nos palcos, em papéis como Otelo e Macbeth.
A idéia de trabalhar nos Estados Unidos não o interessava. "Nunca gostei da idéia de morar ou trabalhar na Califórnia", disse ele.
"De fato, nunca estive lá, nem mesmo para receber o meu Oscar, porque estava ensaiando em Stratford." O primeiro papel de Scotfield foi aos 13 anos, como a Julieta de "Romeu e Julieta", numa peça da escola. Entre seus papéis de sucesso, está o Antonio Salieri em "Amadeus", hit de Peter Shaffer sobre a vida de Mozart.
(Reportagem de Paul Majendie)
Paul Scofield, de "O homem que não vendeu sua alma", morre aos 86
LONDRES (Reuters) - Paul Scofield, reconhecido como um dos melhores atores britânicos de sua geração e ganhador do Oscar por seu papel em "O homem que não vendeu sua alma", morreu aos 86 anos de idade, vítima de uma leucemia, disse seu agente na quinta-feira.
Scofield, um ator reservado que evitava os holofotes, tinha a força, a voz e a presença para sobrepujar outros atores clássicos. Suas atuações são inesquecíveis --desde o Rei Lear, de Shakespeare, até um barbeiro homossexual na comédia "Staircase".
Paul Scofield ganhou Oscar de melhor ator por sua participação em "O Homem Que Não Vendeu Sua Alma"
Mas o brilho de Hollywood não o conquistou e ele era feliz por não ter alcançado o glamour de seus contemporâneos Richard Burton e Laurence Olivier. "Dos 10 melhores momentos do teatro, oito são de Scotfield", disse Burton certa vez.
A agente Rosalind Chatto disse que Scofield morreu em paz, na quarta-feira, em um hospital perto de sua casa no sul da Inglaterra. "Ele tinha leucemia e não estava bem há algum tempo", disse ela à Reuters.
Ele ganhou o Oscar de melhor ator em 1966 por seu majestoso retrato do mártir católico Sir Thomas More, que preferiu ser executado pelo rei Henrique 8o a trair sua consciência, no filme "O homem que não vendeu sua alma".
O autor Robert Bolt é o responsável pela adaptação da peça pela qual Scotfield ficou conhecido nos palcos de Londres e Nova York.
Apesar das inúmeras ofertas de Hollywood, Scofield preferia ser discreto, fazendo mais filmes mas ainda atuando nos palcos, em papéis como Otelo e Macbeth.
A idéia de trabalhar nos Estados Unidos não o interessava. "Nunca gostei da idéia de morar ou trabalhar na Califórnia", disse ele.
"De fato, nunca estive lá, nem mesmo para receber o meu Oscar, porque estava ensaiando em Stratford." O primeiro papel de Scotfield foi aos 13 anos, como a Julieta de "Romeu e Julieta", numa peça da escola. Entre seus papéis de sucesso, está o Antonio Salieri em "Amadeus", hit de Peter Shaffer sobre a vida de Mozart.
(Reportagem de Paul Majendie)
quarta-feira, 19 de março de 2008
Vizinhos
Convivo, há vinte e cinco anos, com vizinhos ilustres. Não os cumprimento para não ser mal interpretada, mas cruzo com eles todo santo dia ao sair de casa.
O mais próximo deles, e o mais imponente, me orgulha tanto quanto me intriga. Sei que está por aqui desde 1944. Ficou famoso por seu passado de jornalista atuante, e foi também político. Sendo eu jornalista, e constatando como é penosa e ingrata a vida dos jornalistas de um modo geral por aqui - estou falando dos mais devotados ao seu ofício, e não à carreira e à promoção pessoal - tendo a acreditar que as homenagens dirigidas a ele provavelmente se explicam mais facilmente por conta de sua carreira política. Até porque ele não estava mais na ativa na era dos meios de comunicação de massa para ser tão prestigiado.
O outro vizinho desenhava moças bonitas e charges políticas, e também fez carreira ligada ao jornalismo. Magro e esbelto, lembra um lápis. E diz a lenda que a bela casa que ele construiu aqui perto, que eu conheci mas infelizmente não existe mais, teve um lápis enterrado em suas fundações, pois ele dizia que foi um lápis que permitiu que a construísse.
Do terceiro, sei menos ainda, mas li que foi pintor paisagista e retratista consagrado, de excelente técnica e muito talento, e isso me basta para continuar contente com a vizinhança.
O Brasil não é um país cruel só com os menos favorecidos, é também cruel com a sua História, e nessa forma de esquecimento acaba igualando a todos – e uma coisa está claramente ligada à outra – sem conhecer direito o nosso passado, não podemos aprender com ele, e assim podemos seguir, errados e errando ad infinitum. E impedindo, uns com outros sem consciência, mudanças necessárias e urgentes desde sempre.
Vi uma vez – e faz muito tempo - uma entrevista no Jô Soares com Raul Seixas. Raul contava uma conversa muito engraçada com John Lennon, de quem era amigo, em que, longe de estarem sóbrios, Lennon pedia que ele citasse um brasileiro ilustre – querendo mesmo localizar alguém. Tarefa difícil até para um brasileiro sóbrio, Raul citou o primeiro nome que lhe veio à cabeça: Café Filho. Lennon concordou, já que o nome soou naturalmente familiar; “Ah, claro, Café Filho.” Ficou satisfeito. É. Café, carnaval, futebol. E automobilismo. Nisso somos ou fomos craques. Nada contra os esportistas, mas são só esses nossos heróis? Nosso fraco e duvidoso aprendizado de História nos permite desconfiar até dos poucos que conhecemos, nos priva do sentimento de orgulho e deixa as gerações que se formam carentes de bons exemplos.
Nossas cédulas perderam nos últimos anos as figuras históricas homenageadas nelas, não será para continuarem obscuras? Nada contra nossa fauna, mas até Santos Dumont, que por viver e voar na França conseguiu fama internacional em seu tempo, perdeu para micos-leões, onças e tartarugas.
QUINTINO BOCAIÚVA
J. CARLOS
MANOEL MADRUGA
O mais próximo deles, e o mais imponente, me orgulha tanto quanto me intriga. Sei que está por aqui desde 1944. Ficou famoso por seu passado de jornalista atuante, e foi também político. Sendo eu jornalista, e constatando como é penosa e ingrata a vida dos jornalistas de um modo geral por aqui - estou falando dos mais devotados ao seu ofício, e não à carreira e à promoção pessoal - tendo a acreditar que as homenagens dirigidas a ele provavelmente se explicam mais facilmente por conta de sua carreira política. Até porque ele não estava mais na ativa na era dos meios de comunicação de massa para ser tão prestigiado.
O outro vizinho desenhava moças bonitas e charges políticas, e também fez carreira ligada ao jornalismo. Magro e esbelto, lembra um lápis. E diz a lenda que a bela casa que ele construiu aqui perto, que eu conheci mas infelizmente não existe mais, teve um lápis enterrado em suas fundações, pois ele dizia que foi um lápis que permitiu que a construísse.
Do terceiro, sei menos ainda, mas li que foi pintor paisagista e retratista consagrado, de excelente técnica e muito talento, e isso me basta para continuar contente com a vizinhança.
O Brasil não é um país cruel só com os menos favorecidos, é também cruel com a sua História, e nessa forma de esquecimento acaba igualando a todos – e uma coisa está claramente ligada à outra – sem conhecer direito o nosso passado, não podemos aprender com ele, e assim podemos seguir, errados e errando ad infinitum. E impedindo, uns com outros sem consciência, mudanças necessárias e urgentes desde sempre.
Vi uma vez – e faz muito tempo - uma entrevista no Jô Soares com Raul Seixas. Raul contava uma conversa muito engraçada com John Lennon, de quem era amigo, em que, longe de estarem sóbrios, Lennon pedia que ele citasse um brasileiro ilustre – querendo mesmo localizar alguém. Tarefa difícil até para um brasileiro sóbrio, Raul citou o primeiro nome que lhe veio à cabeça: Café Filho. Lennon concordou, já que o nome soou naturalmente familiar; “Ah, claro, Café Filho.” Ficou satisfeito. É. Café, carnaval, futebol. E automobilismo. Nisso somos ou fomos craques. Nada contra os esportistas, mas são só esses nossos heróis? Nosso fraco e duvidoso aprendizado de História nos permite desconfiar até dos poucos que conhecemos, nos priva do sentimento de orgulho e deixa as gerações que se formam carentes de bons exemplos.
Nossas cédulas perderam nos últimos anos as figuras históricas homenageadas nelas, não será para continuarem obscuras? Nada contra nossa fauna, mas até Santos Dumont, que por viver e voar na França conseguiu fama internacional em seu tempo, perdeu para micos-leões, onças e tartarugas.
QUINTINO BOCAIÚVA
J. CARLOS
MANOEL MADRUGA
segunda-feira, 10 de março de 2008
Atração fatal
A bordo, tendo esquecido o livro em casa, a revistinha do avião é artigo de luxo. E nela, o assunto que não deixa mulher nenhuma querer calar, mesmo que jure por tudo que é mais sagrado que nunca discute a relação.
A entrevista é com um psicanalista sobre... relacionamentos amorosos.
Depois de ler e digerir, não resisti a algumas divagações.
Não é o caso de identificá-lo, uma entrevista já costuma simplificar demais um pensamento, quanto mais sobre um tema assim complexo, ainda por cima editada por mim. Com as simplificações jornalísticas, estamos acostumados. E qualquer edição é sempre uma intervenção, por mais que muita gente ainda tenha a ilusão de ser imparcial. Vi uma vez o editor de um jornal televisivo indignado em uma palestra quando o especialista convidado fez essa observação. Santa ingenuidade, para não pensar o pior.
Voltando à entrevista: a tese defendida é a de que sabotamos a felicidade. Temos medo dela quando percebemos que pode ficar bom demais. Os rompimentos são atribuídos a fatores externos, diferenças de toda ordem, sociais, econômicas, religiosas, mas geralmente são internos, estão dentro da cabeça dos apaixonados.
Meio complicado, já que sofremos influências externas, e eu, pelo menos, não tenho nada contra ser feliz, mas concordo em parte, porque a maioria dos apaixonados tira de letra os obstáculos externos. Eu diria que a questão tem muito mais a ver com a paixão – a existência e a intensidade dela. Paixão é artigo raro e efêmero, mas mesmo assim não se achou para ela nenhum substituto decente. Buscar conveniências é comum, mas não acho decente. Falsear paixão também não. Mesmo verdadeira, ela vai sofrendo abalos pelo caminho, não tanto com os fatores externos, mas pelo comportamento do alvo escolhido. Quem sofre acaba um dia cansando de sofrer.
É preciso aprender a gerenciar, a saborear – e não sabotar – a felicidade, diz ele. Em primeiro lugar, eu diria que é preciso saber o que nos faz feliz. Sabendo, fica mais fácil ir em frente.
Ele divide os seres humanos em egoístas e generosos. Achei curioso, porque sei que meu bisavô, que era engenheiro e não devia pensar muito em relacionamentos, dividia os seres humanos em burros de carga e cargas de burro, e percebi que vem a ser a mesma coisa.
O egoísta recebe mais do que dá. O generoso é o contrário. Isso se dá (ou deixa de se dar) em vários aspectos: compreensão, carinho, cuidado, preocupação, dinheiro, respeito, o que você quiser. Numa relação, quase sempre quem dá, dá mais de tudo. O egoísta em geral é mais estourado, nunca se sente culpado, tem pouca tolerância para frustração e contrariedade. E geralmente é imaturo. Já o generoso tolera tudo isso e ainda consegue ter um enorme sentimento de culpa. Não faz por gosto, ninguém é generoso por gosto, mas por incompetência de dizer não. Ou seja, a imaturidade pertence a ambos.
Maduro mesmo, é um tipo raro: o justo.
Foi a parte que mais me agradou, porque justiça é o que eu procuro por natureza mesmo, embora às vezes essa busca acabe por atrapalhar nossos planos e desejos.
Isso me deu uma pista que me faz concordar com os homens: não é o caso de se discutir a relação, o caso é prestar atenção na qualidade das pessoas envolvidas. Com confiança, mesmo que não dure, o fim é menos danoso.
Terminando, ele diz que para durar, as afinidades ajudam mais do que as diferenças: generoso com generoso, egoísta com egoísta. Pode ser. Pelo menos, um egoísta está mais preparado para se defender do outro egoísta. Podem sobreviver melhor, mas daí a ter felicidade...bom, se tudo é uma questão de ponto de vista, assim é se lhe parece.
Viver já é muito perigoso. Andar de avião, dependendo do que lhe cai nas mãos, pode complicar muito a sua vida.
“Talvez para entender o amor seja preciso ficar nu, sem nada em volta, deitado na terra fria como se você já estivesse morto. Pelo menos, é esta a minha conclusão. Conclusão a qual cheguei tarde demais, quando as coisas já tinham tomado um caminho que já não dava para modificar.
(...)
Quando, do leste, chega o vento gelado, em vez de ir ao encontro dele como antigamente, procuro me proteger com as mãos e tapo os ouvidos. Não quero ouvir mais nada, não quero ser nada. Eu já disse. Para compreender o amor precisamos ficar nus e sem nada em volta, deitados na terra fria como depois da morte.”
Susana Tamaro, A Grande Casa Branca
A entrevista é com um psicanalista sobre... relacionamentos amorosos.
Depois de ler e digerir, não resisti a algumas divagações.
Não é o caso de identificá-lo, uma entrevista já costuma simplificar demais um pensamento, quanto mais sobre um tema assim complexo, ainda por cima editada por mim. Com as simplificações jornalísticas, estamos acostumados. E qualquer edição é sempre uma intervenção, por mais que muita gente ainda tenha a ilusão de ser imparcial. Vi uma vez o editor de um jornal televisivo indignado em uma palestra quando o especialista convidado fez essa observação. Santa ingenuidade, para não pensar o pior.
Voltando à entrevista: a tese defendida é a de que sabotamos a felicidade. Temos medo dela quando percebemos que pode ficar bom demais. Os rompimentos são atribuídos a fatores externos, diferenças de toda ordem, sociais, econômicas, religiosas, mas geralmente são internos, estão dentro da cabeça dos apaixonados.
Meio complicado, já que sofremos influências externas, e eu, pelo menos, não tenho nada contra ser feliz, mas concordo em parte, porque a maioria dos apaixonados tira de letra os obstáculos externos. Eu diria que a questão tem muito mais a ver com a paixão – a existência e a intensidade dela. Paixão é artigo raro e efêmero, mas mesmo assim não se achou para ela nenhum substituto decente. Buscar conveniências é comum, mas não acho decente. Falsear paixão também não. Mesmo verdadeira, ela vai sofrendo abalos pelo caminho, não tanto com os fatores externos, mas pelo comportamento do alvo escolhido. Quem sofre acaba um dia cansando de sofrer.
É preciso aprender a gerenciar, a saborear – e não sabotar – a felicidade, diz ele. Em primeiro lugar, eu diria que é preciso saber o que nos faz feliz. Sabendo, fica mais fácil ir em frente.
Ele divide os seres humanos em egoístas e generosos. Achei curioso, porque sei que meu bisavô, que era engenheiro e não devia pensar muito em relacionamentos, dividia os seres humanos em burros de carga e cargas de burro, e percebi que vem a ser a mesma coisa.
O egoísta recebe mais do que dá. O generoso é o contrário. Isso se dá (ou deixa de se dar) em vários aspectos: compreensão, carinho, cuidado, preocupação, dinheiro, respeito, o que você quiser. Numa relação, quase sempre quem dá, dá mais de tudo. O egoísta em geral é mais estourado, nunca se sente culpado, tem pouca tolerância para frustração e contrariedade. E geralmente é imaturo. Já o generoso tolera tudo isso e ainda consegue ter um enorme sentimento de culpa. Não faz por gosto, ninguém é generoso por gosto, mas por incompetência de dizer não. Ou seja, a imaturidade pertence a ambos.
Maduro mesmo, é um tipo raro: o justo.
Foi a parte que mais me agradou, porque justiça é o que eu procuro por natureza mesmo, embora às vezes essa busca acabe por atrapalhar nossos planos e desejos.
Isso me deu uma pista que me faz concordar com os homens: não é o caso de se discutir a relação, o caso é prestar atenção na qualidade das pessoas envolvidas. Com confiança, mesmo que não dure, o fim é menos danoso.
Terminando, ele diz que para durar, as afinidades ajudam mais do que as diferenças: generoso com generoso, egoísta com egoísta. Pode ser. Pelo menos, um egoísta está mais preparado para se defender do outro egoísta. Podem sobreviver melhor, mas daí a ter felicidade...bom, se tudo é uma questão de ponto de vista, assim é se lhe parece.
Viver já é muito perigoso. Andar de avião, dependendo do que lhe cai nas mãos, pode complicar muito a sua vida.
“Talvez para entender o amor seja preciso ficar nu, sem nada em volta, deitado na terra fria como se você já estivesse morto. Pelo menos, é esta a minha conclusão. Conclusão a qual cheguei tarde demais, quando as coisas já tinham tomado um caminho que já não dava para modificar.
(...)
Quando, do leste, chega o vento gelado, em vez de ir ao encontro dele como antigamente, procuro me proteger com as mãos e tapo os ouvidos. Não quero ouvir mais nada, não quero ser nada. Eu já disse. Para compreender o amor precisamos ficar nus e sem nada em volta, deitados na terra fria como depois da morte.”
Susana Tamaro, A Grande Casa Branca
Sentei para escrever e descobri, por acaso, que este blog fez um ano. E descobri que comecei, também por pura coincidência, no dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Adoro coincidências, porque olho para elas como um sinal de equilíbrio e harmonia, quase como profecia. Cada louco com sua mania, mas essa é das que eu gosto. E sem dúvida, a mania de escrever que desaguou aqui não poderia ter me dado mais prazer. Mesmo sendo um espaço quase particular, ao sabor do vento e do acaso, as respostas e as trocas de idéias (em sua maioria encaminhadas mais para a minha caixa de mensagens do que para os comentários, pelas mais variadas dificuldades), foram para mim muito surpreendentes. Uma alegria. Só posso atestar e recomendar esse grato exercício.
quarta-feira, 5 de março de 2008
Breve história de umas longas férias ou Longa história de umas breves férias
De férias, a gente pega a estrada. Pode não ir tão longe quanto gostaria, mas vai.
Passa por jardins floridos e nostálgicos, cobertos de flores perenes,
Perenes ou efêmeras, não importa, o que importa é que não tenham espinhos demais.
de novas férias.
E porque deve sempre acreditar na nossa boa estrela.
Passa por jardins floridos e nostálgicos, cobertos de flores perenes,
Perenes ou efêmeras, não importa, o que importa é que não tenham espinhos demais.
A gente segue, pega chuva, se molha – nossa, como chove em São Paulo... por que é que tem que ser assim, o que foi que São Paulo fez ?? Chuva de encharcar a alma, parece que lá os céus sempre choram tudo o que têm que chorar.
Mas se num dia chove, noutros dias... faz sol. Porque nem a meteorologia é de ferro.
O mau tempo não resiste a uma bela paisagem,
E ele bem que sorri, de muitas maneiras.
a perspectiva
Mas se num dia chove, noutros dias... faz sol. Porque nem a meteorologia é de ferro.
O mau tempo não resiste a uma bela paisagem,
uma sombra,
uma água fresca,
uma água fresca,
uma boa companhia.
Quem é senhor do tempo, e dos tempos, quem planeja os calendários e os prazos de validade no mundo sabe tudo, deve ser tudo muito científico, caso pensado mesmo: por mais um tantinho de tempo, a gente não quer voltar, a gente quer ficar, perder o rumo de casa, do trabalho, da vida.
Mas sabe que tem que voltar, a não ser que o mundo sorria muito pra gente...
Mas sabe que tem que voltar, a não ser que o mundo sorria muito pra gente...
E ele bem que sorri, de muitas maneiras.
Não de todas, que não se pode ter tudo, sempre.
Sejamos justos e agradecidos.
A gente volta, e sabe que sobrevive.
Porque
existe sempre
Sejamos justos e agradecidos.
A gente volta, e sabe que sobrevive.
Porque
existe sempre
uma luz no fim do túnel:
a perspectiva
de novas férias.
E porque deve sempre acreditar na nossa boa estrela.
segunda-feira, 3 de março de 2008
A menina que venceu o papão
Será problema de memória ou é normal que seja assim? Para as coisas do dia a dia, ela até que dá pro gasto, mas da infância e adolescência, lembro muito menos do que gostaria de lembrar. Tenho às vezes a sensação de que vivi esses períodos esperando chegar o futuro, querendo que fossem abreviados para viver logo a vida adulta – quem sabe já pensando que, gerenciada por mim, a vida fosse mais parecida com a que eu gostaria de levar? Família grande, muitos problemas, sabia que meu futuro não seria ali, queria trabalhar, e comecei mesmo cedo. Pode ser um traço pessoal, um amadurecimento precoce, porque minha filha, única, com a vida tão diferente da minha, desde pequena conferia no carro se já alcançava os pedais, para poder dirigir. Não era como brincar de aldulto, quando ela vestia as minhas roupas e usava minha maquiagem, como toda criança gosta de fazer. Era diferente, parecia uma atitude consciente e objetiva, quase uma determinação.
Não sei se isso tem um significado. Por via das dúvidas, deixo aqui por escrito que, se algum analista me ler, isso não pode ser usado contra mim!
Em minha defesa, no entanto, sei que brinquei muito, e brincava muito tempo sozinha, embora tivesse sempre vários irmãos em volta.
Lia sempre, e desse tempo, escapou das muitas mudanças de casa e de cidade, entre os poucos guardados de infância, um Almanaque de Cirandinha de 1958.
Acho que não pode existir hoje nada parecido. Eram tempos sem televisão e sem joguinhos eletrônicos, é claro, mas ali tinha de tudo, era uma espécie de caixinha de surpresas, um presente anual – histórias, joguinhos, poeminhas construtivos, o calendário do ano, conselhos úteis, coisas para recortar, desenhar. Porque foi que sobrou o de 1958, não sei explicar, mas nunca consegui jogar fora. A cada arrumação mal intencionada, quando ele me cai nas mãos, acaba escapando, embora pareça cada vez mais pobrezinho e singelo o almanaque. O mais curioso é que além do apego natural a um companheiro de infancia, ele ainda me guardava uma surpresa, uma coisa que nunca esqueci: um conto chamado “A Menina Que Venceu o Papão”. A simples palavra no título me aterrorizava, e eu não conseguia ler, virava a página. Não sei se não acreditava nas minhas forças, e por isso passava direto, ou se era porque as crianças adoram levar susto e sentir medo, e imaginar era melhor do que saber. Até hoje não sei o que era o Papão e como ele foi vencido, fui procurar e descobri que o Almanaque tinha algumas páginas arrancadas. Não vou saber nunca, mas agora não preciso.
E com ou sem papão, o Almanaque vai ficando. Atualmente penso muito antes de jogar lembranças fora. Um amigo me levou para visitar a redação do The New York Times numa época em que davam de brinde aos visitantes uma cópia da primeira página do jornal do dia em que você nasceu. Joguei fora, e até hoje me arrependo.
O impulso aventureiro é sempre um pouco infantil. É aconselhável alguma noção sobre o que é coragem e o que é irresponsabilidade, mas uma porção infantil não vejo nenhum mal em preservar. Sou rápida para muitas coisas, mas passei grande parte da vida intimidada, fui lenta nisso. A gente amadurece à medida que vence os medos. Era tímida, mas não vejo isso como um problema, porque vejo um lucro na timidez. Ser tímido é completamente diferente de ser medroso, a gente apenas se concede mais tempo para saber onde pisa, e tende a colher frutos maduros, e entender um pouco do que consegue experimentar. Pra que ter pressa, se a vida não tem calendário preciso? Quando o mundo nos pressiona, é para nos impor um ritmo que não é nosso, um movimento que pode não ser o que nos convém...
Quem sabe aonde quer chegar, deve se dirigir para lá, mas nem todo mundo, nem sempre. É bom pensar em qual é o nosso caso. E ir vivendo, enquanto isso. De repente até, por sorte ou instinto, a gente acerta no que não viu...
Não sei se isso tem um significado. Por via das dúvidas, deixo aqui por escrito que, se algum analista me ler, isso não pode ser usado contra mim!
Em minha defesa, no entanto, sei que brinquei muito, e brincava muito tempo sozinha, embora tivesse sempre vários irmãos em volta.
Lia sempre, e desse tempo, escapou das muitas mudanças de casa e de cidade, entre os poucos guardados de infância, um Almanaque de Cirandinha de 1958.
Acho que não pode existir hoje nada parecido. Eram tempos sem televisão e sem joguinhos eletrônicos, é claro, mas ali tinha de tudo, era uma espécie de caixinha de surpresas, um presente anual – histórias, joguinhos, poeminhas construtivos, o calendário do ano, conselhos úteis, coisas para recortar, desenhar. Porque foi que sobrou o de 1958, não sei explicar, mas nunca consegui jogar fora. A cada arrumação mal intencionada, quando ele me cai nas mãos, acaba escapando, embora pareça cada vez mais pobrezinho e singelo o almanaque. O mais curioso é que além do apego natural a um companheiro de infancia, ele ainda me guardava uma surpresa, uma coisa que nunca esqueci: um conto chamado “A Menina Que Venceu o Papão”. A simples palavra no título me aterrorizava, e eu não conseguia ler, virava a página. Não sei se não acreditava nas minhas forças, e por isso passava direto, ou se era porque as crianças adoram levar susto e sentir medo, e imaginar era melhor do que saber. Até hoje não sei o que era o Papão e como ele foi vencido, fui procurar e descobri que o Almanaque tinha algumas páginas arrancadas. Não vou saber nunca, mas agora não preciso.
E com ou sem papão, o Almanaque vai ficando. Atualmente penso muito antes de jogar lembranças fora. Um amigo me levou para visitar a redação do The New York Times numa época em que davam de brinde aos visitantes uma cópia da primeira página do jornal do dia em que você nasceu. Joguei fora, e até hoje me arrependo.
O impulso aventureiro é sempre um pouco infantil. É aconselhável alguma noção sobre o que é coragem e o que é irresponsabilidade, mas uma porção infantil não vejo nenhum mal em preservar. Sou rápida para muitas coisas, mas passei grande parte da vida intimidada, fui lenta nisso. A gente amadurece à medida que vence os medos. Era tímida, mas não vejo isso como um problema, porque vejo um lucro na timidez. Ser tímido é completamente diferente de ser medroso, a gente apenas se concede mais tempo para saber onde pisa, e tende a colher frutos maduros, e entender um pouco do que consegue experimentar. Pra que ter pressa, se a vida não tem calendário preciso? Quando o mundo nos pressiona, é para nos impor um ritmo que não é nosso, um movimento que pode não ser o que nos convém...
Quem sabe aonde quer chegar, deve se dirigir para lá, mas nem todo mundo, nem sempre. É bom pensar em qual é o nosso caso. E ir vivendo, enquanto isso. De repente até, por sorte ou instinto, a gente acerta no que não viu...
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