A bordo, tendo esquecido o livro em casa, a revistinha do avião é artigo de luxo. E nela, o assunto que não deixa mulher nenhuma querer calar, mesmo que jure por tudo que é mais sagrado que nunca discute a relação.
A entrevista é com um psicanalista sobre... relacionamentos amorosos.
Depois de ler e digerir, não resisti a algumas divagações.
Não é o caso de identificá-lo, uma entrevista já costuma simplificar demais um pensamento, quanto mais sobre um tema assim complexo, ainda por cima editada por mim. Com as simplificações jornalísticas, estamos acostumados. E qualquer edição é sempre uma intervenção, por mais que muita gente ainda tenha a ilusão de ser imparcial. Vi uma vez o editor de um jornal televisivo indignado em uma palestra quando o especialista convidado fez essa observação. Santa ingenuidade, para não pensar o pior.
Voltando à entrevista: a tese defendida é a de que sabotamos a felicidade. Temos medo dela quando percebemos que pode ficar bom demais. Os rompimentos são atribuídos a fatores externos, diferenças de toda ordem, sociais, econômicas, religiosas, mas geralmente são internos, estão dentro da cabeça dos apaixonados.
Meio complicado, já que sofremos influências externas, e eu, pelo menos, não tenho nada contra ser feliz, mas concordo em parte, porque a maioria dos apaixonados tira de letra os obstáculos externos. Eu diria que a questão tem muito mais a ver com a paixão – a existência e a intensidade dela. Paixão é artigo raro e efêmero, mas mesmo assim não se achou para ela nenhum substituto decente. Buscar conveniências é comum, mas não acho decente. Falsear paixão também não. Mesmo verdadeira, ela vai sofrendo abalos pelo caminho, não tanto com os fatores externos, mas pelo comportamento do alvo escolhido. Quem sofre acaba um dia cansando de sofrer.
É preciso aprender a gerenciar, a saborear – e não sabotar – a felicidade, diz ele. Em primeiro lugar, eu diria que é preciso saber o que nos faz feliz. Sabendo, fica mais fácil ir em frente.
Ele divide os seres humanos em egoístas e generosos. Achei curioso, porque sei que meu bisavô, que era engenheiro e não devia pensar muito em relacionamentos, dividia os seres humanos em burros de carga e cargas de burro, e percebi que vem a ser a mesma coisa.
O egoísta recebe mais do que dá. O generoso é o contrário. Isso se dá (ou deixa de se dar) em vários aspectos: compreensão, carinho, cuidado, preocupação, dinheiro, respeito, o que você quiser. Numa relação, quase sempre quem dá, dá mais de tudo. O egoísta em geral é mais estourado, nunca se sente culpado, tem pouca tolerância para frustração e contrariedade. E geralmente é imaturo. Já o generoso tolera tudo isso e ainda consegue ter um enorme sentimento de culpa. Não faz por gosto, ninguém é generoso por gosto, mas por incompetência de dizer não. Ou seja, a imaturidade pertence a ambos.
Maduro mesmo, é um tipo raro: o justo.
Foi a parte que mais me agradou, porque justiça é o que eu procuro por natureza mesmo, embora às vezes essa busca acabe por atrapalhar nossos planos e desejos.
Isso me deu uma pista que me faz concordar com os homens: não é o caso de se discutir a relação, o caso é prestar atenção na qualidade das pessoas envolvidas. Com confiança, mesmo que não dure, o fim é menos danoso.
Terminando, ele diz que para durar, as afinidades ajudam mais do que as diferenças: generoso com generoso, egoísta com egoísta. Pode ser. Pelo menos, um egoísta está mais preparado para se defender do outro egoísta. Podem sobreviver melhor, mas daí a ter felicidade...bom, se tudo é uma questão de ponto de vista, assim é se lhe parece.
Viver já é muito perigoso. Andar de avião, dependendo do que lhe cai nas mãos, pode complicar muito a sua vida.
“Talvez para entender o amor seja preciso ficar nu, sem nada em volta, deitado na terra fria como se você já estivesse morto. Pelo menos, é esta a minha conclusão. Conclusão a qual cheguei tarde demais, quando as coisas já tinham tomado um caminho que já não dava para modificar.
(...)
Quando, do leste, chega o vento gelado, em vez de ir ao encontro dele como antigamente, procuro me proteger com as mãos e tapo os ouvidos. Não quero ouvir mais nada, não quero ser nada. Eu já disse. Para compreender o amor precisamos ficar nus e sem nada em volta, deitados na terra fria como depois da morte.”
Susana Tamaro, A Grande Casa Branca
Um comentário:
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