Convivo, há vinte e cinco anos, com vizinhos ilustres. Não os cumprimento para não ser mal interpretada, mas cruzo com eles todo santo dia ao sair de casa.
O mais próximo deles, e o mais imponente, me orgulha tanto quanto me intriga. Sei que está por aqui desde 1944. Ficou famoso por seu passado de jornalista atuante, e foi também político. Sendo eu jornalista, e constatando como é penosa e ingrata a vida dos jornalistas de um modo geral por aqui - estou falando dos mais devotados ao seu ofício, e não à carreira e à promoção pessoal - tendo a acreditar que as homenagens dirigidas a ele provavelmente se explicam mais facilmente por conta de sua carreira política. Até porque ele não estava mais na ativa na era dos meios de comunicação de massa para ser tão prestigiado.
O outro vizinho desenhava moças bonitas e charges políticas, e também fez carreira ligada ao jornalismo. Magro e esbelto, lembra um lápis. E diz a lenda que a bela casa que ele construiu aqui perto, que eu conheci mas infelizmente não existe mais, teve um lápis enterrado em suas fundações, pois ele dizia que foi um lápis que permitiu que a construísse.
Do terceiro, sei menos ainda, mas li que foi pintor paisagista e retratista consagrado, de excelente técnica e muito talento, e isso me basta para continuar contente com a vizinhança.
O Brasil não é um país cruel só com os menos favorecidos, é também cruel com a sua História, e nessa forma de esquecimento acaba igualando a todos – e uma coisa está claramente ligada à outra – sem conhecer direito o nosso passado, não podemos aprender com ele, e assim podemos seguir, errados e errando ad infinitum. E impedindo, uns com outros sem consciência, mudanças necessárias e urgentes desde sempre.
Vi uma vez – e faz muito tempo - uma entrevista no Jô Soares com Raul Seixas. Raul contava uma conversa muito engraçada com John Lennon, de quem era amigo, em que, longe de estarem sóbrios, Lennon pedia que ele citasse um brasileiro ilustre – querendo mesmo localizar alguém. Tarefa difícil até para um brasileiro sóbrio, Raul citou o primeiro nome que lhe veio à cabeça: Café Filho. Lennon concordou, já que o nome soou naturalmente familiar; “Ah, claro, Café Filho.” Ficou satisfeito. É. Café, carnaval, futebol. E automobilismo. Nisso somos ou fomos craques. Nada contra os esportistas, mas são só esses nossos heróis? Nosso fraco e duvidoso aprendizado de História nos permite desconfiar até dos poucos que conhecemos, nos priva do sentimento de orgulho e deixa as gerações que se formam carentes de bons exemplos.
Nossas cédulas perderam nos últimos anos as figuras históricas homenageadas nelas, não será para continuarem obscuras? Nada contra nossa fauna, mas até Santos Dumont, que por viver e voar na França conseguiu fama internacional em seu tempo, perdeu para micos-leões, onças e tartarugas.
QUINTINO BOCAIÚVA
J. CARLOS
MANOEL MADRUGA
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